O feed do meu Instagram virou eu macaqueando e dançando na sala da minha casa. Praticar yoga e fazer aulas de ballet on-line em quase todos os dias dos quatro meses de pandemia têm me salvado da realidade. E de mim, que já me senti de todos os jeitos durante o isolamento.

Extremamente triste e angustiada, passando pela mediocridade mediana e inerte, até atingir picos de estados alegres, produtivos serenos e potentes. Acabo dividindo esses últimos frames do meu existir com as pessoas. Essa minha versão mais suave e saudável é que ilustram minhas redes sociais.

Assim é a existência humana: recheada de momentos bons, médios e ruins. Independente das diferenças e injustiças sociais que nos segregam, e dificultam ainda mais a situação de quem tem menos, ninguém é feliz o tempo inteiro. Editamos nossos próprios filmes, assim como os fatos das nossas histórias. Conforme a nossa coragem. Ou a falta dela.

O André Trigueiro, disse na sua live imperdível e diária das 9h, que se as pessoas soubessem o quanto o sofrimento e a dor são importantes para o desenvolvimento humano, não perderiam tantas horas produzindo fake news particulares em suas lives e selfies plenas e belas o tempo inteiro. 

A minha filha de 14 anos é feminista. Morro de orgulho dos seus posicionamentos, textos do colégio e opiniões quando ela se manifesta. Ela acha o máximo a Anitta (eu também) e a MC Mirella, mas implica com as minhas poses, porque segundo ela, não acredita em yoga.

Dias atrás ela me questionou: “Mãe o que é isso, tu tá louca? Tem uma perna tua ok, mas a outra parece um slime?”.

(Eu não gostava que as pessoas diziam que eu era louca ou engraçada. Não queria ser nenhuma das duas coisas, queria ser equilibrada, misteriosa e levada à sério.)

Ri, expliquei que tinha sim percebido o quanto meu lado direito estava diferente do esquerdo na foto, mas que tinha decidido postar mesmo assim. Para registrar essa diferença. Lembrar que ela existe e também que a maneira de eu sentir menos dores e mais equilíbrio interior e exterior é fortalecer o que está fraco.

Buscar a equanimidade de todos os meus lados dentro de mim. Meu primeiro pensamento foi: “Essa perna aí não é minha, deve ser o ângulo ou a luz”. Repeti outras tantas vezes a pose e as fotos saíram idênticas. Slime (a Antônia exagerou né, tchê?) na esquerda. Potência na direita. Como é a vida. Desigual. 

Sombra e luz. Sol e lua. Ação e pausa. Água e fogo. Bem e mal. Vida e morte. O segredo é tentar equilibrar permanentemente dentro de nós o embate dessas forças opostas.

O primeiro passo é reconhecer que elas existem inexoravelmente e habitam sem ordem ou direção em nós. Disso não é possível fugir, mas somos capazes de direcionar essas forças. A saída é para dentro, diz a minha professora e amiga Lu Brites, que está me ensinando novos e lindos movimentos internos e externos — um deles é a capacidade e necessidade infinita e constante que temos de nos observar. Um olhar sutil, porém permanente. A cada respirar. A cada atitude. A cada acordar.

Atravessando a rua com o sinal fechado, reparei que, abruptamente eu me empinei e encarnei a altiva e ereta, abandonando o meu “jeito mais natural e habitual” de me mover. Exposta à passarela da sinaleira e aos olhares dos motoristas, desfilei. Como fazemos nas festas, na praia, na academia, no feed… 

Há quantos anos ou décadas, andamos nos movimentando da mesma forma? Em todos os âmbitos das nossas vidas. Carregando esqueletos, temperamentos, manias, acusações, reações, preconceitos, regras, culpas, comportamentos, hábitos ruins, vícios, excessos, pesos imensos que viram dores, lesões e doenças. Literalmente nas nossas costas, ombros, lombares, mentes. Atingindo, enfraquecendo e machucando o corpo e a energia que deveríamos estar usando para viver!!! Para fazer o nosso melhor em primeiro lugar para nós, para a humanidade e para o planeta. Cada um sabe as mágoas, curvas físicas e manobras emocionais que acabou usando para sobreviver.

Sempre enchi a boca dizendo que jamais subiria em helicóptero ou avião pequeno, daqueles só para duas pessoas. Há duas semanas, fui convidada por um amigo para voar em um avião exatamente assim. De um dia para o outro. Era um domingo lindo, frio, céu azul. Em nenhum momento pensei em não aceitar o convite inesperado que recebi. Quer saber o melhor? Foi uma das sensações mais fascinantes que eu já tive (me arrependo de não ter sido mais corajosa e comandado mais e melhor o manche, já que minha estreia foi como copilota).

Preste atenção em todos os seus passos até aqui e também na forma que você escolheu caminhar na vida… Empinada, corcunda, esgualepada, distraída, murcha, rígida ao extremo, relaxada demais, com peito para frente, com a bunda para dentro. Sem calar a boca um minuto ou muda, dona de nenhuma expressão.

A minha avó Tonica me dizia:“Já vai para rua! Como gosta essa menina, de encher a rua de pernas”.

Gosto, vó! Quero continuar gostando quando tudo isso passar. Que as pessoas continuem me achando “maluquete e engraçada” (porque mudei de opinião e já acho bem legal ser assim), mas desejo levar minhas pernas para passear pela vida de jeitos diferentes. Em um caminhar novo comigo, com o meu corpo e com o coletivo. E que não faltem voos surpresa no caminho.

Por Mariana Bertolucci

  • P.S.: O Aeroclube do Rio Grande do Sul é um dos mais antigos e tradicionais do país e entre os seus serviços está o voo panorâmico como o que eu fiz. Visite o www.args.com.br para informações ou ligue para (51) 3245-6060 / (51) 3264-0347 / (51) 8413-0026
  1. Cristiane Cerentini says:

    Voa borboleta voa! 🦋 Me fez lembrar a coragem q tive qdo jovem de aceitar o mesmo convite de um amigo, só q era um planador, sem motor, largado lá no alto p assim voar! 💙

  2. Ana Paula says:

    Mari…. lindo e abundante teu texto de vida, igual a ti!!!! Voe… voe…. saltitante, errante, feliz, exuberante, rasante, radiante, assim é a Vida!!!! Bj no teu❤️

  3. Susana Zaman says:

    Lindíssimo Mari! Ahhhh, se o mundo entendesse que é na coragem de sermos nós mesmos (sem edições fake) que está a beleza da vida, a conexão com as pessoas e acima de tudo com a nossa essência, o mundo seria um lugar bem mais belo ❤️ Vulnerabilidades é a o caminho, já dizia Brene Brown.

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