Já é maio e parece que eu tropecei em 2022 e só agora – começo a pisar com as quatro patas em 2023. Em matilha, metade receio, outra selva, em plena guerra civil interna; íntegra e despedaçada; confusa e decidida. Um dia cor, outro dor. Ai minha Nossa Sra. da Contradição tende piedade.. Com a mesma inteireza que sou capaz de acreditar até o fim, me preencho de dúvidas ou me esvazio em maravilhas e armadilhas mundanas. Não estou sozinha. Tá raro encontrar alguém imune ao bololô de sentimentos pós-pandêmicos que descompensou nossa saúde física e mental.

Há quase um ano, em junho de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou a maior revisão sobre a saúde mental mundial desde a virada do século: quase 1 bilhão de pessoas viviam com transtorno mental em 2019, sendo 14% adolescentes. O mesmo levantamento afirma que a desigualdade social, a Covid-19, a guerra e a crise climática ameaçam a saúde global e a depressão e a ansiedade aumentaram mais de 25%, só no primeiro ano da pandemia.

A ansiedade – que se manifesta de vários jeitos em boa parte das pessoas –  é também egoísta, porque muito diz respeito apenas sobre o nosso futuro e daqueles que nos interessam. “Ah mas que injustiça, eu me preocupo tanto com o futuro do planeta!” Eu também, mas o futuro do planeta ou a taxa de juros não tiram nosso sono e nem a vontade de acordar. Por isso a empatia – assim como o feminismo – já está uma palavra gasta. Sabemos que é a via única para fugir do narcisismo; outro vilão desse tempo. Além de exercer e promover a empatia, com alguma curiosidade, conhecemos e experimentamos ao longo da vida, diferentes formas que atenuam a ansiedade, a depressão e o narcisismo.

Então colecionamos empolgadas um coletivo de jornadas, terapias, noites e conversas divertidas e cúmplices com as amigas, descobertas, trocas, viagens, retiros, encontros, cursos e experiências quase divinas sobre – quem diria – nós mesmas…, e no afã eufórico e deslumbrado da tamanha transformação que está por vir… O que acontece? Tropeçamos. Quase sempre nos mesmos lugares dentro de nós. Cabe sempre a nós mesmas a tarefa e aptidão única para puxar o próprio tapete mágico em que almejamos voar a vida inteira.

Então, metade distraída, outra concentrada; meio susto, meio coragem; uma parte raiva; outra só perdão, com as quatro patas cravadas na meia idade, percebemos que é hora de recolher o chicote que está sempre apontado em nossa direção e transformar toda a euforia ilusória que distrai e alimenta o nosso ego por um passe livre e mais saudável para caminhar sem pressa e sem pausa pela vida real – por mais surreal que ela pareça a cada dia.

Da nossa ansiedade egoísta e particular de cada dia corta para o que aconteceu com o ex-jogador e agora também ex-técnico de futebol Cuca. Que há alguns dias foi do céu ao inverno; ao mesmo tempo em que os jogadores do Corinthians saudavam a classificação da equipe em campo, a ala feminina, que corresponde a 53% da torcida levantou a bandeira feminista fora e dentro do estádio, mobilizou a opinião pública e em segundos, o RESPEITA AS MINA já era coro nacional e tornara-se insustentável manter Cuca no comando do clube paulista. Com os parceiros de time há 37 anos, quando jogava pelo Grêmio, ele foi julgado e condenados à revelia a 15 meses de prisão por atentado ao pudor com uso de violência. Como o Brasil não extradita seus cidadãos, eles não chegaram a cumprir a pena pelo estupro coletivo sofrido por uma menina suiça de 13 anos. “Ah, mas faz tanto tempo”. Faz mesmo, tanto que ela teve tempo até de tentar se matar depois, e eu, que tenho a mesma idade da vítima, nem lembrava mais dessa história.

Ouvi no Elefantes na Neblina, um podcast que adoro, uma frase que diz assim: a vergonha e o constrangimento são a cola que unem a humanidade. Se a justiça e a opinião pública da época trataram de forma vergonhosa o crime, é nosso papel exigir que estupradores e abusadores de quaisquer tempo ou  circunstância – condenados ou não, com penas cumpridas ou não, arrependidos ou NÃO (como, para completar a tragédia, é o caso dos mais recentes três célebres estupradores do futebol brasileiro – Robinho, Daniel Alves e Cuca) sejam rechaçados de qualquer posto de poder nesse país. Assim como a empatia também cura ansiedade, é a gritaria o antídoto para a injustiça e os abusos que acontecem todos os dias bem embaixo do nosso nariz, às vezes dos nossos lençóis; nas nossas casas, trabalhos, consultórios médicos, transportes públicos, estádios de futebol e até no momento dos nossos partos. Tá cansativo repetir, mas parar não é uma opção.

Assédio não é cantada. Feminismo não é mimimi. A vontade ou ação de uma pessoa, seja ela qual for; acaba quando ela invade e viola a vontade, o bem-estar, a integridade de outra pessoa. A mesma regra serve para a nossa LIBERDADE. Devemos exercê-la onde quer que estejamos, no estádio, em casa, no trabalho, nas redes sociais, nas conversas, na rua; de cartaz em punho, mandando carta pro prefeito, pro senado, pro bispo, pro cosmos, pro papa ou para quem quer que possa ajudar na causa. Mas não somos livres para agredir, ofender, mentir, manipular imagens, fatos e áudios. Tampouco somos livres para fazer apologia ao racismo, nazismo, machismo e a homofobia. A verdade não tem ideologia, lado ou cor e não deve ser censurada. Protegê-la é um ato civilizatório e urgente. Repetiremos enquanto houver necessidade. Cada vez mais organizadas, volumosas, valentes e barulhentas, como a torcida do Corinthians!

THE END

Mariana Bertolucci

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  1. Felipe Kannenberg says:

    Texto arrasador, “grito” mais que necessário, ainda, lamentavelmente. Sem pausa, haveremos de vencer, humanidade! You Rock, Mari!

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