Stonewall

Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio

Vou falar sobre dois exemplos de violência simbólica pelas quais já passei.

Quando eu era estudante de jornalismo, fui estagiário em diversas agências de publicidade. Em uma delas, fui chamado para ir até a sala do meu então chefe no primeiro dia de estágio.

Ele estava sentado à sua mesa. Pediu para eu entrar, me sentar e encostar a porta. Me desejou boas-vindas e comentou ter percebido a minha felicidade por ter passado no processo seletivo. E eu estava animado mesmo.

Até que, em tom mais baixo, quase como quem vai falar sobre algo completamente sigiloso, ele disparou: “e, eu tenho pra mim, que tu é homossexual. Só pra te avisar que não temos nenhum tipo de preconceito. Aqui, tu pode se sentir à vontade”.

Lembro de ter experienciado diversas sensações. Medo. Espanto. vergonha. Mas não lembro de ter ficado à vontade. Paralisei, fiquei sem expressão. Pensei: “é sério mesmo que isso tá acontecendo?”

Foi invasivo. Constrangedor. Por mais bem-intencionado que ele estivesse. É claro, porém, que isso é só uma pontinha do iceberg perto da luta pelos direitos LGBTQIAP+, cujo marco é a rebelião de Stonewall, em 28 de junho de 1969.

Nos anos 1960, o bar nova-iorquino Stonewall era ponto de encontro dos marginalizados da sociedade, em grande parte pessoas gays, drag queens e transsexuais. Na madrugada de 28 de junho de 1969, ocorreu uma batida policial, a terceira em um curto espaço de tempo. 13 pessoas foram detidas, entre elas transsexuais e drag queens, por “violarem o estatuto do vestuário”, que exigia ao menos três peças de roupa “adequadas” ao seu gênero.

Enquanto essas pessoas eram levadas para a viatura, uma multidão se reuniu em frente ao bar e começou a jogar moedas, garrafas e outros objetos na polícia. Até que a tensão escalonou e se tornou um verdadeiro levante. Seis meses depois, surgiram as primeiras organizações afirmativas nos EUA, como a Frente de Libertação Gay

De lá pra cá, muitos direitos foram conquistados. Aqui no Brasil, o casamento homoafetivo e a criminalização da homofobia são alguns exemplos. Por isso, como já mencionei e repito, a situação com o meu ex-chefe é um grão de areia perto da luta dos que vieram antes.

No entanto, essa situação com o meu ex-chefe no primeiro dia de estágio me marcou muito, e lembro com frequência até hoje. Ele era, no fim, um cara legal. Só tentou bancar o líder desconstruído e meteu os pés pelas mãos. Não se pergunta a uma pessoa com quem não se tem intimidade qual é a orientação sexual dela.

Há poucos dias, fui à aula de hidroginástica (eu e meu marido, Rodrigo, começamos a fazer hidro em 2021). Uma das colegas perguntou: “e o teu amigo, por que não veio?”.

Fiquei pensando o que havia de tão doloroso em pronunciar a palavra “marido”. Como se fosse suficientemente inapropriada se referir ao Rodrigo assim quando se combersa comigo. A ponto de ser impronunciável, mesmo há quase três anos todos sabendo que somos casados.

Outro exemplo de violência simbólica. Que fere tanto quanto uma violência física. Não seja essa pessoa.

Nesta semana, no podcast Bá que papo, falamos sobre o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+ e sobre os 54 anos de Stonewall. Também trouxemos dicas de séries, filmes e documentários que gostamos e que retratam a diversidade.

Ouça agora no Spotifyclicando aqui. Para ler outros textos da coluna Bá experiência, acesse este link.

Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio

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