Eu não tinha 7 anos quando te vi as primeiras vezes cantar no Cassino do Chacrinha e depois em todos os outros programas de TV. Fiquei hipnotizada pelos seus sons, tons, cores, roupas esvoaçantes e acessórios brilhosos, cintilando deslizante e performática. Dona da cena. Ruiva angelical, roqueira ponta firme, diva teleguiada pela paixonite. Feliz, sapeca, atrevida, poderosa, escrachada, sensual e transgressora. Puro borogodó equilibrado em imensas sandálias ou botas prateadas e muitos sonhos.

Ninguém ficou imune ao beijo apaixonante de vocês na contracapa do LP Lança Perfume que chegava às lojas em setembro, na primeira primavera dos eletrizantes anos 80. Tardes inteiras cantando todas as suas músicas e imitando seu jeito de dançar, de fazer caretas. Você se divertia fazendo arte e fazia arte se divertindo. O Brasil de todas as idades desbaratinou com você e Roberto, seu grande parceiro e amor, desde o início da carreira de vocês, que foi um sucesso estrondoso e sem fim. O disco estava em 9 entre 10 árvores de Natal do país inteiro naquele dezembro. O mesmo mês em que no dia 8 John Lennon foi assassinado em frente ao edifício Dakota, onde vivia em Nova York. O impacto daquela notícia e a tristeza de tantas pessoas de todos os lugares do mundo me ensinou ainda criança um pouco do que sinto hoje: como é forte e inspiradora a presença e a influência da arte e dos artistas como vocês nas vidas das pessoas.

Seguimos bailando contigo por todo canto e em todas as fases e momentos das nossas vidas: de verão em canção. Em todas as melhores e piores festas que fomos, com água na boca, vestindo fantasia… Provocamos, somos cor de rosa-choque, sangramos, ué? Cansamos de lero-lero e sentimos vontade de mandar tudo praquele lugar. Entramos em tanta canoa furada, remando contra maré, mas sempre acreditamos em você Rita. Muito mais do que Rainha do Rock, você é mesmo a Padroeira da Liberdade, como gostava de ser chamada, Nossa Senhora da Divina Volúpia. Se nos anos 90, ser selvagem era dirigir ouvindo música alta, no meu rádio – até hoje é só tocar Agora só Falta Você – que além de livre, me sinto feliz. Sempre.

Vivendo e aprendendo a jogar, seguimos… e. tudo o que você vestia, cantava, criava e em cada uma das suas opiniões certeiras e valentes tinha atitude, humor e glamour. Você e Roberto reuniram multidões de todas as gerações e tribos para cantar um sucesso atrás do outro. O Brasil tem mania de você, Rita! Somos todas ovelhas negras, mutantes, troféus no meio da bugiganga, turistas de guerra, bizarros casais… Sei que você mesmo diz não ter sido o melhor dos exemplos, mas acredite, poucas mulheres foram tão inspiradoras e necessárias para as feiticeiras mais incríveis que conheço. Você é a mulher mais ouvida do Brasil. Vendeu 55 milhões de discos e é a artista feminina mais bem-sucedida em vendas no Brasil. A quarta no geral, atrás de Tonico & Tinoco, Roberto Carlos e Nelson Gonçalves.

Deusa do Cosmos e do Caos; encarou com elegância, coragem e vulnerabilidade o machismo, os traumas da infância e da adolescência, a ditadura, o vício e o câncer. Na arte e na vida, aprendemos com você que ser livre e de verdade dá trabalho, inveja e falatório dobrado. Mas vale a pena, né? Simples e decidida, você entendeu o tamanho que tinha a sua voz afinada e atenta. Soube usá-la com talento e criatividade constrangedores. Revolucionária. Genuína, engraçada, amorosa, intuitiva e debochada. Única.

Costurou os melhores e mais emocionantes capítulos das nossas vidas com poesia, irreverência e música. Ativista da paz, do amor e do respeito pela natureza e pelos animais. Você sempre teve razão: os ETs são mais confiáveis que os políticos e de vassouras bem calibradas somos capazes de alcançar o infinito e pilotar todos os discos voadores que desejarmos nesse planeta. Sua Outra Biografia foi lançada ontem. Não vejo a hora de absorver com antenas afiadas e pantufas coloridas cada um dos seus recados sobre esses últimos tempos. Tô há dias meio entalada, tentando ensaiar umas palavras bonitas para você, quanta audácia da minha parte. Não desisti. O meu defeito também é não saber parar… Por aqui, está tudo mais sem graça sem você. Mas quem sabe olhar para o céu, percebe todos os dias que as estrelas estão em festa com você mais perto. E nós seguiremos um pouco mais por aqui enquanto houver saúde para gozar no final.

Obrigada por tanto, Rita!

You rock! Amo tudo que você é

Mariana Bertolucci

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  1. Isabela Fogaça says:

    Que maravilha de depoimento. Quanta emoção transbordando. Nos representando. Falando as coisas que estão engasgadas dentro da gente . Dizendo bonito oquanto vivemos e sofremos a partida. Obrigada Mariana querida. Muito obrigada.

    1. Telmo Reis says:

      Aqui temos um texto exemplar: leitura que nos agrada e emociona porque nos traduz, com a qual nos identificamos nas lembranças que cada título das canções de Rita, que nos transportam a reviver significados e inesquecíveis experiências que sempre guardaremos. A Mari soube como poucos presentear-nos com a riqueza de sua sensibilidade e competência para descrevê-la .

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