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O recado da justiça espanhola que o MP gaúcho deveria aprender

Condenado por agressão sexual – estupro –, Daniel Alves recebeu pena de 4 anos e meio de prisão e 5 anos de liberdade vigiada. Além disso, uma multa de mais de R$ 800 mil também faz parte da pena (danos morais e físicos, mais custas do processo). Eu tinha esperança de ver uma sentença mais dura. Ainda assim, não dá para não celebrar.

Há, sim, o que ser celebrado nesse caso. Uma mulher foi violentada por um homem famoso e rico. Desde o primeiro relato dela, todos os que seguiram foram iguais. Já Daniel… a cada temporada uma nova versão. Não transamos. Foi só sexo oral. Ok, teve penetração, mas foi consentido. Eu estava bêbado e não lembro. Em qual das versões você acredita?

Eu não consigo acreditar em nenhuma. Mas não interessa: a justiça permite que acusados/denunciados mudem suas versões quantas vezes quiserem sem que sejam prejudicados ou apontados criminalmente por isso. Isso deixa a gente louca! Juro!

Quando denunciei o assédio sexual que sofri, o agressor disse à polícia que sou louca, vingativa, incompetente, brava, entre outras tantas valorações. Quando apresentei provas de que não poderia ser vingança juntando todas as peças e comunicações que eu havia feito, ele resolveu mudar de versão. Para o promotor do caso, as provas apresentadas eram insuficientes. E a troca de versões do agressor foram plausíveis.  Jamais esquecerei: você precisa aprender a diferenciar assédio de cantada; mesmo que seja o seu chefe te cantando.

A lei às vezes precisa ser redundante mesmo. Só SIM é SIM é uma redundância para lá de necessária. Daniel Alves chegou a dizer: ela não disse não. Aí vem o peso da lei: só SIM é SIM. A vítima de Daniel Alves não disse SIM.

Fico imaginando, com a condenação do jogador brasileiro, como é bom ter sua palavra levada a sério. Eu fui trucidada pelo promotor. Foi a maior violência que já sofri na vida. Não bastava ser assediada e ter todo o reflexo disso registrado pela minha psiquiatra (que sequer o promotor cogitou ouvir). A violência gerada pelo machismo é ilimitada.

Ainda assim eu não me arrependo. Denunciar era a única opção que eu tinha ao ser vítima de um criminoso. Diante da Justiça ele até pode ser não culpado. Mas ele não é inocente. Ele sabe que não é. Mais: sabe que não pode repetir o que fez comigo com outras mulheres. Saber disso conforta meu coração. Talvez eu tenha impedido que outras mulheres passem, nas mãos desse assediador, o que passei.

À mulher que Daniel Alves violentou, meu carinho e respeito. Tentaram, por óbvio, comprar a dor dela com uma grande indenização. Não há dinheiro que pague a gente se olhar no espelho todos os dias sabendo que a gente fez o certo. Denunciem. Não calem. Nem sejam omissas. Se a gente calar, eles seguirão mentindo, mudando versões e se perpetuando no mundo da impunidade, escorados em decisões capengas de um sistema de justiça falho, limitado e míope para os temas de violência contra a mulher. 

Dani Alves, você não estragou sua carreira. Você deu um exemplo para o mundo ao fim dela. Ninguém deveria estar acima da lei. Nem você, nem Robinho, nem Cuca, nem aquele homem mentiroso e manipulador que me assediou. Espero que o MP gaúcho esteja ciente dessa decisão histórica e se inspire para, pelo menos, aprofundar as denúncias que recebe.

Por Flavia Moreira, jornalista

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