Há mais ou menos uns dois meses – pela primeira vez em quase 16 anos que moro no mesmo prédio – reparei que galhos e mais galhos vinham da árvore plantada no terreno vizinho repletos de amoras, umas ainda verdes e outras suculentas e maduras. Era uma árvore como as da nossa casa da Vila Assunção. Tinha duas de amoras, uma também tinha os galhos vindos de uma árvore do terreno vizinho e a outra ficava no nosso jardim, onde tinha também árvores de abacate, goiaba e pitanga. Eu não me lembro de achar tão legal assim ter uma casa cheia de árvores com frutas, flores e grama verde para correr e tomar sol como eu acho hoje. Às vezes só a distância do tempo é capaz de nos explicar a beleza do caminho.

Passaram umas semanas e em quase todos os dias eu parava, largava o que tinha nas mãos ou as preocupações da cabeça e me espichava meia dúzia de vezes para catar as amoras e sentir aquele gostinho que me levava sem escala para a alegria e a doçura da infância… Simples amoras do pé no meio do concreto da minha garagem. Que sujavam as mãos e pintavam de ternura lembranças eternas e felizes. Algumas vezes, mais distraída ou apressada, não parei para pegar as amoras. Um dia entrei no prédio e comentei com a Bete: “Que coisa boa essa árvore de amora aqui no prédio, né? Eu tô amando porque na minha casa quando eu era pequena…”. Antes de eu engrenar mais uma história comprida que talvez não chegasse até o fim, nos ouvidos da Bete, ela – que sabe ser tão objetiva como acolhedora -, me cortou e me disse: “Já vamos podar essa amoreira aí porque além de ser perigoso para o seu fulano que caminha com dificuldade e pode cair também é uma trabalheira e uma sujeira que fica no chão… e blá blá blá blá…”.

A Bete cuida aqui da nossa portaria também há quase 16 anos. A minha primeira reação foi achar aquilo um absurdo. Eu não podia comer a fruta do pé que me levava de pirlimpimpim para delícia da minha infância faceira e livre porque sujava demais o chão ou porque um vizinho idoso corria risco de cair passando por ali? Era isso mesmo. Eu resmunguei alguma coisa que nem lembro já dentro do elevador enquanto subia para o meu andar e pensava; que nem uma amora a criatura pode comer em paz e lembrar das coisas boas da vida. A partir daquele dia eu parei religiosamente para comer amoras todas as vezes em que passei pela árvore, e ela ainda estava lá com seus galhos recheados e pesados. A Bete já tinha me alertado, a poda seria feita a qualquer momento.

Comi as amoras com frio, com chuva, com pressa, atrasada, com medo, com alegria, com raiva porque eu poderia a qualquer momento voltar para casa e os galhos não estarem mais sobre o meu muro. Comecei a prestar atenção em todas as diferenças de sabor, acidez, texturas, cores e formatos de cada uma que eu conseguia alcançar de mão esticada e na ponta dos pés. No dia em que a árvore foi podada, pensei – do alto da minha criança saudosa e um pouco inconformada com as coisas da vida: bem que os avós também poderiam ser como as árvores de amoras. Que pudéssemos plantá-los com seus colos gostosos, bolos quentes e boas histórias em algum lugar bem lindo, onde seria permitido voltar para sempre. Em todos os dias das nossas vidas.

Com amor,

Mariana

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