Sim. Meu pai chorou quando Dr. Brizola morreu. Eu já crescida chorei também. Sabia ter se ido uma esperança. Sabia ter se ido um homem em que meu pai confiava. Que os amigos de meu pai confiavam. Um homem que falava a verdade. Custasse o que custasse. Um homem que, certo ou errado, defendia seu pensar. Um homem.

No qual, aos dezesseis anos, fui orgulhosa, junto de meus pais, votar pela primeira vez: Dr. Leonel de Moura Brizola. Não importava o partido, o lado. Me importava o olhar, a coragem, o homem.

E meu pai que chorava. Feito criança órfã naquele dia pela manhã.

Foi, então, que no fim de meus vinte anos escrevi minha primeira coluna publicada: Os netos do Dr. Brizola. Não achei Mariana. Mas procuro melhor, ando cansada, mas minha pergunta, aos vinte e tantos, era:

“E agora?!”

Vinte anos depois.

Mãe. Em primeiro lugar. E mãe em segundo e terceiro também. Fui, com meus pais, ver a pré-estreia de Legalidade no Theatro São Pedro. Eu, a mãe do Pedro. A Psicóloga, colunista da Pais & Filhos, da Bá, criadora da Híbrida e de casos e causos. Eu.

Fui ver a Legalidade no Theatro São Pedro.

Cheguei, a convite da Luciana e do Carlos.

Encontrei o Zeca, meu amigo de farra junto com a Luiza Olle, que não veio pois estava no Rio. E aí sentei, do lado do Perciano.

O Perciano sabe? Marido da Dedé. Pai das gurias. O avô da Antônia. Que é amigo do meu pai, que era um guri e fez discurso quando o pai dele foi prefeito de Gramado, sabe?

É… amigo do pai. O pai, que tava lá em 61. Com vinte anos. Que também estava com o Feliz, o Felizardo… Que também estava lá na Legalidade, o pai da Marta e do Pedro, o vô das gurias. 

É o avô das gurias…

É, os amigos do pai, o Zeca e a Luiza e a Mariana, os meus amigos. A Marta o Pedro… As crianças…

As crianças… Dr Leonel?! As crianças!

Elas já nasceram. O senhor não pode ver…

A Antônia, o Pedro, a Marina, a Cecília.

Seus netos, Dr…

Nossos filhos, Dr.

Por favor, pai, por favor, gente, amigos do bairro, da cidade, do país…

As crianças são os nossos filhos hoje entendem?

E agora?

Eu estava lá. Do outro lado da praça, do outro lado de 61, do outro lado do dia da primeira coluna que escrevi.

E eu, Dr. Leonel, hoje tenho quarenta e três.

E sou responsável por meus pais, pelos amigos dos meus pais, pelos avós de nossos filhos… E por nossos filhos, Dr.

Seus netos de vinte anos atrás.

Todos nós, orfãos. De voz.

De verdade. De confiança. De pai. De avô. De pátria. Direção. Esquerda? Direita? Não me importa.

É só sei lhe perguntar:

“E agora? Que fazemos, Dr?”

Não está legal esta idade.

Esta tal legal idade.

Está! Diria o senhor! Aos gritos enquanto dei pausa neste texto.

“Não vês guria? Que a cidade segue um bairro? Uma fazenda? Como São Borja!? Que começa pelas bandas da Chácara das Pedras? O tal hoje Iguatemi?! E termina no mesmo lugar! Então? Faz como teu pai, começa em casa. Bota o guri na escola, dá educação. Chama um médico de família e termina com esta hipocrisia, são teus amigos e tuas crias! Ou tu nem lês o que escreves?! Dá exemplo. E te posiciona. Grita. Fala com a Mariana. A filha do Perciano. Se acaso sabes, minha afilhada. Comecem por aí, de novo a legalidade. Chama os guri do Rio, os que se foram para São Paulo. Não te micha. Sai das fralda. Se teu pai fez em casa, não é difícil fazer no governo. Escreve nesta revista. O mundo é um ovo. Ou te muda para o Uruguay. Mas antes desce no porão. Tem tudo que te faltar lá”.

E não me chama esta “tal” legal idade. Porque estou morto, mas sigo vivo.

Grita. Mais forte. E não aceita WhatsApp.

Por Ana Guedes

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