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Crônica: “O Yoga e a laringe”, por Mariana Bertolucci

Dois pensamentos me visitam desde a infância até pouco tempo atrás. Lembro-me das primeiras conversas de algum sentido com as minhas amigas do colégio em que eu estudava, o Maria Imaculada. Eu dizia que se eu tinha uma vontade na vida, era a de ser mãe. Sabe aquelas certezas que você vai construindo com solidez dentro de você ao longo do tempo?! Ainda sobre ser mãe, lembro-me de não querer engravidar muito tarde e de ter medo do parto. Ai, o chato do medo, sempre por perto se metendo na vida da gente — mas não importava, esse era o meu maior propósito mesmo assim.

Pari. Soube que faria cesariana minutos antes da Antônia nascer. Na hora, chorei de mãos dadas com a minha mãe e fui continuar a nossa história como tinha que ser. Cortar sete camadas da pele foi uma das experiências menos traumáticas que tive na vida. Inundada do amor que eu sempre desejei sentir, tudo foi naturalmente para o seu lugar dentro de mim, enquanto eu nutria minha bebê só com leite e carinhos. Há exatos 13 anos, a maternidade segue voltando à minha mente e coração, agora na árdua e deliciosa prática.  

O outro pensamento que também sempre me acompanhou, é que nunca todas as partes importantes da nossa felicidade dialogam e acontecem de forma equilibrada e harmônica na nossa vida. Quando tudo vai bem com a carreira e a autoestima, algum problema familiar surge. E se, surpreendentemente, as chatices da família e do relacionamento parecem andar na mais perfeita ordem, alguma desarmonia começa a acontecer no trabalho; como se houvesse uma política de cotas para ser feliz segundo a qual nunca tudo pode estar simplesmente bem no mesmo momento da vida; como se a nossa missão no universo, esse tão potente e grandioso universo, fosse a de sermos pacientes para administrarmos essas pequenas imensas frustrações diárias da vida e continuar fazendo todos os dias o nosso “melhor” — resignados a essa injusta matemática emocional e tentando fazer coisas prazerosas para driblar as instabilidades do caminho.

Um caminho cheio de pessoas angustiadas, apressadas, atrasadas, desamorosas, desatentas, egoístas e tensas atrás de carinho, atenção, companhia e dinheiro — magoados com algo que deu errado no trabalho, na família, no relacionamento ou com a própria saúde. E, se a mágoa não tiver endereço, não tem graça: qualquer justificativa mirabolante ou simplista colide de frente na primeira curva com a profundeza misteriosa que existe dentro de nós todos. Não estamos dispostos a deixar de viajar somente para postar no Instagram, a fim de marcarmos o início de uma excursão de verdade por dentro do nosso corpo e da nossa alma, que só vai terminar por aqui, nesse plano, no dia em morremos.  

O Yoga bateu na minha porta duas vezes. A primeira foi há nove anos. Eu estava parando de fumar depois de 18 anos, quando comecei a fazer na academia e fui gostando. A professora, que se chama Claudia, me convidou para fazer uma aula em um retiro de Páscoa no Interior de Gramado, cidade onde eu sempre passo a data. Atrás da paz que o Yoga estava despertando em mim, me perdi na Linha 28 (bem no lugar onde nasceu o meu avô — olha que coincidência) e não achei a aula. Desiludida — não dava mais tempo — decidi sair do mato e dei de cara em uma rua da cidade lotada de coelhos e de carros.

Dessa sensação e experiência nasceu uma crônica singela e engraçadinha que acabei publicando no blog que eu tinha na época em que trabalhava na Zero Hora. Foi o primeiro texto que escrevi nesse blog, pois dele vieram outros e, ao longo daquele ano, fiz práticas semanais. Eu fazia Yoga, era colunista social da cidade e conseguia escrever textos bacanas que as pessoas estavam gostando de ler — tanto que, para reuni-los, decidi publicar o “Bailarina sem Breu”, o meu primeiro livro, que foi Prêmio Açorianos na Categoria Crônica em 2011.

A vida correu. Minha rotina como colunista diária do jornal e mãe de uma menina de quatro anos foi me distanciando lentamente da disciplina das práticas. Fui demitida do Grupo RBS e, há seis anos, tenho a Revista Bá, que vocês já devem ter visto ou escutado falar por aí. A carreira que escolhi me ensinou a ser apaixonada por pessoas e por suas histórias diferentes.

Eu saí para fazer uma aula de Yoga e voltei perdida, mas com outra certeza na minha vida: eu tinha que escrever e me comunicar também de outra forma com as pessoas que gostavam de ler o que eu escrevia. Nunca tinha ouvido a palavra Sankaupa, mas o Yoga já tinha jogado na minha cara o propósito da minha vida. Com direito a coelhos, buzinas e graça. As histórias dos outros são sempre inspiradoras, mas a minha voz de verdade não pode estar nelas da forma como eu desejo e necessito para encontrar a força que as palavras têm.

Bingo! Eu não tinha mais sete chefes acima de mim e nem que convencer ninguém de nada! Construí um veículo de comunicação só para isso, o site está aí e a Internet, cheia de leitores sedentos por conteúdo de todos os jeitos. Nunca me pareceu ser tão fácil ser feliz e realizada (calculei nas minhas contas particulares de cotas de felicidades). Os anos passaram e a Bá foi conquistando cada vez mais leitores diferentes. Foram anos difíceis para todos nós brasileiros e, na correria (é conhecida sua também a dona Correria?), eu acabei não conseguindo colocar em prática o segundo maior sonho e certeza da minha vida, depois da maternidade. Eu sabia exatamente o que fazer e como, mas não deu tempo ou eu tive medo. Sabe como é? Segundo as minhas covardes continhas, a vida era mesmo assim — meio desequilibrada e corrida —, paciência… Sem entender ou enxergar a nossa sombra, não alcançamos a nossa luz e está feito o convite para o ego  disfarçado do chato do medo de novo, de novo entrar na nossa alma.

No início desse ano, voltei a fazer Yoga na academia de forma mais disciplinada com a Angela. No dia seguinte ao lançamento da última edição da , acho que o cara lá de cima me chamou para uma conversa mais íntima e séria — quase definitiva. O recado foi dado bem rapidamente, com direito a uma amidalite aguda, 12 dias de internação no hospital, uma cirurgia de drenagem de abcesso bacterial e uma cicatriz no pescoço que vou agradecer para sempre por existir, mesmo que ela acabe desaparecendo, para mim estará sempre viva. Saí dessa disposta a não desperdiçar a minha segunda chance. Nunca tinha passado pela minha cabeça fazer uma formação para ser professora de Yoga, mas, como a Premananda School não é só para quem quer dar aulas, e sim para quem quer se aprofundar na filosofia do Yoga, eu encarei o transformador desafio. A região da laringe, bem onde foi feito o meu corte, é um dos sete chakras do Yoga. Você sabe qual deles?! O da comunicação da sua verdade para o mundo! E nesse instante em que finalizo essas palavras, me sinto — saindo do mato, perdida, para estar para sempre exatamente nesse lugar aqui que estou, falando de novo bem desse jeito com você.

“Flexibilidade sem força é instabilidade. Força sem flexibilidade é rigidez”. Sem misturar essa dupla, não tem jeito de achar o equilíbrio.

Gratidão!

Namastê!

Por Mariana Bertolucci

  1. Luiz Inacio Medeiros. says:

    Lindo texto, com a força do coração aberto e sem cortinas. Deve ter deixado tua mãe e a todos os amigos de tantos anos. Nunca fiz yoga, andei experimentando na China a ginastica de tres mil anos o Chigun. Como naquele periodo que la estive, dormia cedo pela falta do que fazer a noite, acordava muito cedo e ia para o Ritan Parque e me apixonei. Mas hoje cada vez mais quero comecar. Obrigado Mariana e parabens pela qualidade de um texto tão rico de sentimentos

  2. Ro says:

    Boa noite, Mariana!
    Adorei ler sua crônica, não sei se a chamo assim, ou texto.
    Mas, de qualquer forma, achei encantador a forma e o conteúdo!
    Termos consciência do nosso corpo não é fácil, mas devemos procurar desenvolvê-la, assim tudo se conecta e tudo fica melhor!
    Parabens!

    Parabéns!

  3. Lucia Helena de Araújo Lima says:

    Texto lindo e muito verdadeiro para todos nós que estamos sempre procurando por novas oportunidades em nossas vidas. Parabéns Mariana e sucesso nesta novo caminho que se abriu para ti.

  4. Mah says:

    Como sempre um texto inspirador que nos chama a reflexão! Mari, querida! Que tua verdade nunca deixe de se comunicar com o mundo! 🙏🏻❤️ Love you ❤️

  5. Raquel says:

    Sua maravilhosa! Que caminho! Intenso, em movimento e hj cheio de consciência…. vc é, e sempre será, equilíbrio dinâmico… Sim, muito importante para mim apesar da distância, mas inteira, cheia de situações das quais não tomo conhecimento, mas constante… assim é… e agradeço…. quanta emoção desde o Maria Imaculada. Bjão com muito carinho e gratidão. Raquel

  6. Isabela Fogaça says:

    Querida amiga. Fiquei emocionada com teu relato. Entrei de cabeça. Fundiu com a minha vida. Hoje olhando pra mim mesma reflito profundamente se não é esta a alternativa para minha serenidade voltar. Teus textos são sempre cheios de alma. Fazem bem. Deves saber disso: FAZEM BEM. E isto já é tudo. Tu és um ser que faz bem. Carinho.

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