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Revolução particular: uma crônica de Mariana Bertolucci

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Desde que nascemos e viramos bebês fofinhos iniciamos o protocolo de viver, que é (quase sempre) conduzido com doçura e firmeza pelos nossos pais. Somos batizados (ou não) sem saber o que significa a religião na vida de uma pessoa ou a ausência dela. Crescemos guiados pelos exemplos e os ensinamentos dos nossos responsáveis e de quem passa pela nossa vida. Somos um coletivo de hábitos, culturas e valores bons e ruins que nasceram e cresceram conosco, além daqueles que fomos incorporando sozinhos à rotina ao longo do tempo.

Aprendemos (ou não) a dizer obrigada(o) quando alguém nos ajuda e a sermos igualmente gentis com as pessoas; a não mentir, não roubar, não trair, não agredir, etc. A fechar a cara quando não concordamos ou não nos identificamos com algo, a não desperdiçar água, energia ou comida. Somos moldados a economizar abraços, beijos, diálogos, lágrimas, gargalhadas verdadeiras e atitudes espontâneas. Vai dizer que você nunca teve aquela amiga que fazia o que bem dava na telha e era rotulada aos risos: “Ah, a fulana é louca kkkk”. Aprendemos a vestir as meninas de rosa e os meninos de azul, conforme a nova ministra recentemente acabou de decretar como nova ordem nacional para embasbacamento geral da nação em pleno 2019.  

Estamos habituados a colecionar coisas e mais coisas dentro de casa todo o tipo de ansiedade e angústia dentro do peito e dores sem fim no nosso corpo. Cada vez falamos, reclamamos, delegamos e consumimos mais, quando precisamos, realmente, ouvir, elogiar e dirigir mais o olhar atento para o nosso íntimo e o nosso próximo. Enxergamo-nos a longo prazo como robôs programados para darem certo na vida familiar, afetiva, profissional e social. Quando algo dá errado, surtamos, espraguejamos ou pifamos (como acontece com as máquinas), como se no nosso software não houvesse espaço para reprogramações, desmantelamentos e limpezas no trajeto. Mudar hábitos e padrões ineficazes é uma atitude particular.

Pessoas e fatos podem servir de impulso para escapar de hábitos e padrões antigos que já não são mais construtivos, mas o processo é individual, muitas vezes demorado, dolorido e sempre intransferível. Porém é infinitamente mais prático do que fugir das suas aflições mais obscuras. Pode não ser a mais fácil, mas é a única fuga real. As outras parecem mais animadas, simplificadas e divertidas, mas são paliativas e só acumulam mais medos, ranços e padrões equivocados dentro de nós.

Os meus últimos dias de 2018 foram diferentes. Não tive a euforia e a excitação habituais dessa época do ano, como nas últimas décadas. Senti tristeza, solidão e confusão. Como desejava há anos, e sempre faltou “tempo” (o tempo é o senhor das desculpas), iniciei uma limpeza física na minha casa e a faxina mental aconteceu naturalmente. Despejei com meus sentimentos frágeis quilos e quilos de objetos e uma papelada constrangedora em dezenas de sacos plásticos. Vieram as festas, os reencontros, as amigas nada secretas da vida inteira, a família reunida, a virada e suas repetidas expectativas…

Eu sabia que tinha tudo o que precisava: minha presença íntegra, minha respiração e os meus desejos mais simples. Não dancei até de manhã e nem vi o primeiro sol do ano nascer e brilhar como de costume; não pulei sete ondinhas e nem fiz brindes intermináveis ao ciclo novo. Dormi de mãos dadas com a minha avó Tonica, de 93 anos, e, inspirada por uma amiga querida e generosa, pratiquei Yoga nos últimos e nos primeiros dias do ano. No dia 1º, fiz minha primeira prática sozinha. Tudo foi diferente do que costumava fazer nessa época em tantos anos que se passaram. Se não deveríamos temer nem a morte, por que tanto medo de mudar em vida? Cada um sabe o que precisa transformar em si e nas suas atitudes. Minha necessidade era de aquietamento, mas há quem precise justamente do contrário: da energia do sol nascendo, do movimento e da agitação. Mude o que está entalando aí o seu riso frouxo, trancando seu jeito de pensar e sentir a vida, sua maneira de agir e o seu caminhar cheio de graça. De rosa, azul; com Yoga e faxina ou sem nenhuma das duas é possível e é uma delícia assustadora e poderosa começar a revolução pelo lado de dentro. Vai! Não perde tempo! Bom 2019 e boa revolução particular!

Por Mariana Bertolucci

  1. Elizabeth Dallagnol Kalil says:

    Minha amada Mariana… O tempo passa e muitas vezes, não nos damos conta.
    Farei, no próximo dia 21, 71 anos muito
    realista e, porque não dizer, muito generosa, até demais pro meu gosto!
    Assim como tu, com teus 45aninhos…
    bem vividos e muito esclarecedor de tuas atitudes passadas e presentes!
    Amadurecemos com os butiás caindo do bolso mas, não nos entregamos, quer com 71 nem com 45!
    Continua amadurecendo, Mariana, isto só te fará um bem enorme!
    Meu carinho especial!!!❤️

  2. Rosane says:

    Parabéns pela sua atitude íntima!
    Eu creio nas revoluções interiores e sei bem quanto representam, mas às vezes esse “burburinho de redes sociais” criando uma nova forma de se relacional, me inquieta…
    Queria ver mais gente compartilhando , mais gente comprometida com essência e não com aparência! Não, não sou contra o belo e o luxo, mas algumas vezes isso se torna ostentação, beirando sei lá o que, num mundo tão conturbado como o nosso…
    Tomara que o milagre da revolução interior aconteça com todos…. seria o começo querida Mariana….

  3. Que maravilha, Mariana! Pude te ouvir, com essa voz deliciosa, dizendo cada palavra desse texto. Estou contigo nesse pensamento. É preciso olhar mais pra dentro. É dentro da gente que se encontram as respostas, as verdades, as dores e as delícias. Ótimo ano pra ti! Um abraço com muita saudade e com muita gratidão por ter o caminho cruzado com o teu em algum momento da vida.

  4. Lucia Maria Ramos da Silva says:

    Mariana, teus textos enriquecidos de humanidade, são riquezas e representantes do melhor da pessoa que és. Minha admiração, meu carinho!

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