Cerca de um quarto dos 8 bilhões de habitantes do planeta se sente só. Profundamente só. Independente da idade e da condição social, a solidão pegou a humanidade. Triste isso. Mas me não surpreende.

Sinto que está cada vez mais difícil reconhecer no outro, valores, lealdade, verdade. Aliás, a verdade do outro não está difícil de reconhecer. Está, na verdade, estampada em nossa cara, e causa uma saudade do tempo em que havia pudor, pelo menos, de dizer certas coisas. Explico.

Dia desses, o Facebook (que uso apenas em função de trabalho) me sugeriu esse post do Endrick, jogador de futebol superjovem e talentoso, e sua namorada. Não falaram do futebol de craque do menino. Não usaram rótulos para ele. Já a namorada foi desenhada como “loira padrão CBF”. E, diante disso, claro, o moleque poderia querer “pegar” a loira. Só precisava tomar cuidado com o “golpe da barriga”. Segue: se tiver grana, nem com isso precisará se preocupar. Afinal, ser pai, é pagar pensão. Segue mais: dinheiro compra até amor.

Quanto preconceito, misoginia e desrespeito em um só post? A quantidade de likes me diz, porém, que estou só. Milhares de likes e comentários, de homens e mulheres, concordando com o que tá no post. Eles vão além. “Maria chuteira” era a descrição mais respeitosa que vi sobre a Gabriely Miranda. Sim, ela tem nome e carreira.

Dias depois, surge para mim, no Instagram (única rede que uso diariamente), um trecho de um podcast com o casal. E o moleque disse que apostou com seus amigos que ficaria com a modelo. Assim começou a aproximação dele com ela. Endrik apostou com um amigo que “pegaria” a modelo.

Mais uma vez me senti só. Como me sentiria se estivesse apaixonada ou envolvida com alguém que me fez alvo de uma aposta? Como se sente uma mulher que é vista como alvo? Um objeto que tem um preço?

E como normalizamos um menino de 17 anos fazer isso?

Talvez sejam as redes sociais o motivo para metade da população brasileira se sinta sozinha, como apontam pesquisas. No mundo, o índice é de 33%. Ou talvez seja simplesmente a total incapacidade de compreender a realidade que esse post e essa história nos jogam na cara: entra século, sai século, e a mulher segue um objeto; entra geração, sai geração, a mulher continua sendo alvo de ataques; entra ferramenta de comunicação, sai ferramenta, a mulher segue sendo o mote permanente de ataques.

Confesso que prefiro a solidão a essas pessoas. Prefiro a solidão a conviver com pessoas que destilam ódio contra mulheres simplesmente porque elas existem. É como se o crime contra a honra ainda estivesse vigente no Brasil. Afinal, no mundo virtual, seu ódio serve ao like, diz o Emicida

Por Flavia Moreira, jornalista

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