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O governador gaúcho a música da Ivete Sangalo e o sumiço da professora Cláudia da UFPel

Não fiquei surpreso com a decisão do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), de não levar em conta o fato de que os gaúchos estão de luto pelos 50 mortos e oito desaparecidos nas enxurradas que se abateram sobre o Vale do Taquari, em 3 de setembro. E que exatamente às vésperas de se completar um mês da tragédia, data em que a imprensa e os familiares costumam lembrar e reverenciar a memória das vítimas, Leite e o seu namorado, Thalis Bolzan, tenham ido assistir ao show dos cantores Rod Stewart e Ivete Sangalo, no último dia 30, no Allianz Parque, em São Paulo. A catastrófica enchente foi uma notícia globalizada por conta das mudanças climáticas, um assunto que está na ordem do dia. A enxurrada simplesmente varreu do mapa as cidades de Muçum e Roca Sales, as duas mais antigas das 36 que fazem parte do Vale do Taquari, uma região tipicamente de classe média, com um agronegócio diversificado, que produz grãos, carnes e leite para as suas muitas agroindústrias.

A consequência da ida ao show para o governador foi uma enxurrada de variadas críticas, desaforos e outras manifestações publicadas na imprensa e nas redes sociais. Qual o significado disso para a carreira política de Leite? Duvido que tire o sono do governador. Vou explicar. Ele considera que fez tudo certo para ajudar as vítimas da tragédia: esteve presente, foi solidário, investiu recursos do Estado e por aí afora. O sentimento de luto é problema da população. Não dele. O que escrevi não é opinião. São fatos que temos publicado sobre a maneira de agir de Leite. Vou contar uma história que reforça o que escrevi. Em 2015, ele era prefeito de Pelotas (2013 a 2017), uma cidade média do sul do Estado, nas proximidades da fronteira gaúcha com o Uruguai. Na ocasião, a professora Cláudia Hartleben, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), desapareceu. O caso virou manchete nos jornais. Presume-se que tenha sido vítima de feminicídio. A investigação policial apontou três suspeitos. Como o corpo de Cláudia e nenhuma outra prova concreta sobre o destino dela foram encontrados, o caso ainda não foi resolvido. E tornou-se símbolo da luta contra o feminicídio. Em 2019, Leite assumiu o governo do Rio Grande do Sul e colocou como secretário da Segurança Pública o seu vice, Ranolfo Vieira Júnior, que foi um dos mais competentes delegados da Polícia Civil gaúcha. Levando em conta que o governador conhece a história da professora e sabe que o fato do seu desaparecimento continuar impune é um estímulo ao feminicídio, um crime que insiste em permanecer no topo das estatísticas criminais no território gaúcho, todos esperavam, em especial a família da vítima, que Leite se empenharia em esclarecer o caso. Até porque não é o único. Existe um contingente de mulheres que foram mortas no Rio Grande do Sul nos últimos aos, cujos suspeitos dos crimes são amplamente conhecidos, mas seguem livres porque não há um corpo para provar.

Em setembro de 2018 contei alguns desses casos no post Procurados vivos ou mortos. Sempre tenho dito nas minhas palestras nas redações e nas aulas nas faculdades que o jornalista a universidade forma. O repórter é forjado na luta diária na busca pela informação. E nessa luta diária pela informação aprendi que o crime que mais destrói uma família e os amigos é o sumiço de uma pessoa. Sempre que converso com essas famílias ouço frases como: “Tenho a impressão que ele entrará pela porta a qualquer momento”. Não adianta esses familiares procurarem as delegacias para saber se surgiu alguma pista nova no caso. Conheço inspetores de polícia que têm paciência para receber uma ligação por semana de parentes de desaparecidos. O fato é o seguinte: esse tipo de crime dificilmente é solucionado se não surgir uma pista concreta nas primeiras 72 horas de investigação. E assim que vira notícia de rodapé do jornal, o caso vai para a gaveta dos crimes insolúveis. É cruel, mas é assim que funciona. O governador gaúcho teve a grande oportunidade de montar uma pequena estrutura policial para receber os parentes das vítimas desses casos e informá-los do que a polícia está fazendo para solucioná-los. Não fez. Aliás, ele não moveu uma palha para resolver o caso da professora Cláudia. No dia 10 de junho de 2022, escrevi o post O futuro do ex-governador gaúcho e o sumiço da professora Cláudia, da UFPel. Na ocasião, havia uma aposta de vários partidos em Leite para quebrar a polarização da eleição presidencial entre Jair Bolsonaro (PL), que buscava a reeleição, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A aposta em Leite não prosperou, ele acabou se elegendo novamente governador. Já o caso do sumiço da professora Cláudia segue sem solução e se consolidando cada vez mais como símbolo do incentivo ao feminicídio.

Para arrematar a nossa conversa. Repórter é como centroavante. Sempre que pica uma bola na área, ele chuta a gol. Vi uma oportunidade nessa história do show de cobrar do governador gaúcho a atenção dele para casos como o da professora Cláudia. Por ter sido prefeito de Pelotas, portanto conhecedor do episódio, ele não pode passar batido pela história como se não fosse assunto dele. Um dos assessores de Leite me disse que o fato dele ter sido prefeito quando aconteceu o sumiço da professora não significa que o caso tenha que ser atirado no seu colo. Como não? O caso não é apenas um crime não solucionado. Ele virou um símbolo da impunidade dos crimes de feminicídio. E o trabalho do repórter de exigir das autoridades que resolvam o problema é a única ferramenta que os familiares das vítimas têm para exigir dos governantes uma solução. No caso do sumiço da professora Cláudia, o governador Leite não pode dizer que fez a parte dele. Porque não fez.

Carlos Wagner jornalista

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