Está delicado ser humano. Se o humano é mulher, negro, jornalista ou simplesmente pensa diferente de você, o desafio é ainda maior. Sou jornalista há 27 anos em Porto Alegre, cidade onde nasci há 48.

Tagarela e serelepe – como me chama o David Coimbra, um dos colegas que amo e que mais aprendi e me diverti na vida, caí meio por acaso na Famecos, mas não por acaso permaneci. Recém-formada, entrei para a redação da Zero Hora onde por 15 anos exerci apaixonadamente meu ofício, vivenciei e aprendi sobre a importância e a sutileza que “formar opiniões” têm numa sociedade, numa vida e numa nação. 

Tenho repetido que nossa profissão nunca foi tão desrespeitada e também tão necessária como nos dias de hoje. Me nutro exercendo meu ofício com ética, gentileza, agilidade, alegria, verdade e dedicação absoluta e irrestrita para as pessoas. Pela humanidade. Todo jornalista feliz com sua escolha quer mudar o mundo. Perdemos vagas, vidas e nossa dignidade é atacada diariamente em todos os lugares, mas esse ímpeto ninguém nos tira. Meu mais recente ciclo profissional encerrou há pouco. Foi fascinante. Fui de novo fisgada pelo que me move, voltei a conviver com os “meus”, com os prazos, a criação, a entrega, a repercussão e todas as dores e delícias que nossa carreira impõe.

Não me surpreende o que revelou o monitoramento feito pelo projeto “Violência de Gênero contra Jornalistas”, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). No Brasil, ao longo de 2021, 89 jornalistas e meios de comunicação foram alvos de 119 ataques de gênero relacionados à profissão, ou seja, quase 10 casos de agressões, ofensas, ameaças e intimidações por mês. Um ataque a cada 3 dias. Os principais agressores são internautas (51,7%) e as autoridades públicas (36,1%). As vítimas, em sua maioria, mulheres (91,6%). Esses dados, divulgados pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) nos últimos dias do Mês da Mulher constatam que a violência contra a imprensa aumentou 21,6% em 2021. Chocadas e chocados? Eu não. E digo mais, esses números infelizmente são só a ponta do iceberg. Refletem a rotina de profissionais agredidos publicamente ou daqueles que não correm riscos de perderem seus empregos. Parte significativa desses agressores são financiados por nós: eleitoras, eleitores, cidadãs e cidadãos que votam e pagam impostos caros.  

Muitas pessoas que amo e que me inspiram a ser alguém melhor foram ou são jornalistas. Tive a sorte de crescer e dividir uma redação com pessoas que se gostavam muito, se respeitavam e valorizavam a imprensa. Onde situações constrangedoras, abusivas, patéticas e inimagináveis como essas jamais foram realidade. Não que fôssemos blindados das chatices, dos egos, dos chefes tensos, plantões exaustivos e estressantes, dos salários minguados ou até de alguma injustiça e falta de empatia.

Mas chegamos vivos em 2022, em um mundo onde não é mais aceitável trabalhar com medo, sob agressão, injustiça, humilhação, chantagem, ironia, de cabeça baixa para regras ególatras, irracionais, adicionadas à expressivos destemperos emocionais ou patológicos. Sem diálogo ou espaço para pensar diferente. Sem a opção de argumentar ou de ter opiniões distintas. Comunicar com o peso e a responsabilidade que isso tem e fazer parte da engrenagem que entrega informação e reflexão para uma sociedade é único e lindo dentro do propósito de servir às pessoas com nosso dom. Ah, há quem diga que algumas pessoas têm “jeitões rígidos” ou “temperamentos difíces.” NÃO!!!!!!!!!!!!!! O que essa lamentável estatística reflete é desrespeito. É INADMISSÍVEL e não há mais espaço para tais comportamentos no mundo.  

Ainda sobre o tema, quero opinar sobre o tapa do ator Will Smith no humorista Chris Rock no tapete vermelho. Como a bela artista Jada Smith, já fui ridicularizada e ironizada em público. Quer saber? O fato da minha plateia ser incomparavelmente menos estrelada e relevante do que a do Dolby Theatre não muda em nada o tamanho da minha dor. Quer saber ainda mais? Também sei o que é reagir com impulsividade diante de uma agressão desnecessária e descabida. Ah, não paramos por aqui, também já debochei e quis chamar atenção com situações difíceis de pessoas que admiro. Violência não deve ser combatida com violência. Impulsos e reações podem revolucionar nossa existência e a do coletivo. Errar é humano. Pedir desculpas é nobre. Poucos sentimentos são mais preciosos e bonitos do que o perdão. Último recado para turma do “Deixa Disso” e também para quem acha que todos os jornalistas mentem e que nossa profissão acabou: nos respeitem, estamos fortes, nos reinventando como podemos. Estaremos sempre aqui e vocês jamais nos CALARÃO!

Seja amor,

Mariana Bertolucci

Foto do meu talentoso parceiro Julio Cordeiro

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  1. Isabela Fogaça says:

    Parabéns Mariana. Teu texto lucidez e coerência. Coisas importantes em qualquer situação de vida profissional. Muito mais na de jornalista. Tratar de temas duros sem bota-los pra baixo do tapete exige coragem e sensatez. A uma forma clara e muito bem escrita revela tua enorme capacidade de doação ao trabalho com inteligência. Isso é um legado. Parabéns querida.

  2. Isabela Fogaça says:

    Parabéns Mariana. Teu texto mostra lucidez e coerência que são importantes em qualquer situação de vida profissional. Muito mais na de jornalista. Tratar de temas duros sem bota-los pra baixo do tapete exige coragem e sensatez. De uma forma clara e muito bem escrita revela tua enorme capacidade de doação ao trabalho com inteligência. Isso é um legado. Parabéns querida.

  3. Karen says:

    Mari que texto, diz muito sobre o que vivemos e o tua capacidade de colocar em palavras temas tão dolorosos e importantes com lucidez e amor é única. Representa muito teus colegas mas diz TUDO sobre ti! Te amo

    1. Fera Carvalho Leite says:

      Mari, quanta lucidez, coragem, indignação justa e um basta à violência. Parabéns, amiga! Teu dom, tua trajetória, tua experiência são teu legado e ninguém tira. Voa passarinha que belas paisagens e bandos te aguardam. Te admiro e sou cria de jornalista com o maior orgulho! Te amo!

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