C

Crônica: “Divina Beleza”, por Mariana Bertolucci

Essa época mexe com as pessoas. Damos de cara, com dia e hora marcados, com o final e o início de um ciclo que chamamos de ano.

Festejamos a passagem dos dias e pensamos naquilo que fizemos com o tempo que passou e o que queremos fazer com o que virá. Nos preparamos para a data; vestimos branco; escolhemos um lugar especial, ao lado de pessoas ainda mais importantes e brindamos por mudanças e recomeços.

Um novo ano (sem rótulos de bom, ruim ou difícil) está começando. É difícil não mergulhar, mesmo sem se dar conta, em uma onda de euforia e esperança — novos desejos, outros planos, projetos trancafiados na sua comodista gaveta da procrastinação, reflexões produtivas e outras insanas —, reencontros com os amigos e a família e desencontros necessários consigo mesmo.

Quando o dedo aponta para si próprio, pensar no que foi bom e no que foi ruim pode ser um exercício dolorido e até chato de se fazer. Dependendo dos traumas e dos problemas de cada um, remexer bem no centro do próprio e poderoso umbigo pode ser tanto revelador quanto assustador. No Centro de Valorização da Vida (CVV), organização não governamental que oferece apoio emocional e prevenção do suicídio 24 horas por dia, o número de ligações recebidas aumenta em média 15% em dezembro.

Como dizem os espanhóis, as pessoas sentem ganas de mudança, e quando nada mais parece fazer sentido, ou porque a mente está alterada ou o coração absurdamente partido e sem beleza nenhuma, a única coisa que soa como uma possibilidade real de transformar o que está ruim é tirar a própria vida.

Nem todas as angústias são tão potentes assim, capazes de fechar ciclos de forma tão cruel e dura, mas elas estão por aí: soltinhas e perigosas — apertando o peito de todos nós nos finais de ano.

Você começa a pensar se está dedicando-se para algo que acredita ou só trabalhando para pagar o cartão de crédito. Se recebe uma mensagem emocionada e cheia de ternura no seu celular, você reflete se não está gastando mais toda a sua bateria com beijos e abraços virtuais do que com as conversas olhando no olho do seu filho. Espiando o Instagram das belas e famosas, entendemos o quanto ainda podemos cuidar mais do nosso corpo, alimentação, combinar melhor nossos looks e amansar nosso espírito, porque, afinal, elas são tão maravilhosas e bem-humoradas. E bla, bla, bla… Aí vem aquele tsunami anual de amigos-secretos, apresentações de final de ano, e tudo acaba sempre tão divertido, tão empolgante, e toda aquela ideia inicial de se despedir com lucidez de um ano para encarar com força o outro se perde no seu vazio existencial e virtual — no meio de tanta canseira.

E quando menos esperamos estamos pulando ondinhas, repetindo os mesmos pedidos e promessas, comprando calcinhas novas amarelas e vermelhas, desesperadas por uma conta bancária mais folgada ou por alguma paixão de tirar o fôlego. Assim desembarcamos, ainda agitadas, sem muito tempo para pensar, em mais um verão.

Ah o verão… A estação mais cheia de vida e luz começa festiva e reflexiva! É mutante, dá vontade de sair da rotina e viajar em direção ao mar e ao sol, deixando a vida fluir com mais sabor e prazer. É quando exibimos nossos sorrisos, cabelos, corpos e peles douradas, ornadas por colares e roupas esvoaçantes. Um ar livre e feminino inspira e transforma as sensações todas.            

Diferente de todos os outros anos, em que desejei somente muita paz, saúde e realizações, com uvas, lentilhas e velinhas, em 2019 eu só quero beleza para mim e para toda a humanidade!

Que aquele tão desejado tanquinho apareça sim para você exibir faceira em seus biquínis coloridos, mas que ele venha também contorcido de gargalhadas e não sirva somente para lavar a roupa suja do pessoal da academia ou do condomínio da praia. Não exagere em nada: nas compras, na comilança, na mala, no bronzeado, nas cobranças e nem nos brindes — você não precisa estar balbuciante para ser feliz e afetiva. Não é preciso transbordar-se de sensações, cores e acessórios modernos para encontrar a beleza que desejo a mim e a você.

Olhe-se com a seriedade e o desejo de quem realmente quer se enxergar. Sabe aquele espelho tenebroso da dermatologista? Imagine que você está se enxergando nele, mas sem medo de ver o que não quer. Solteira ou casada, proponha um namoro sereno e maduro com o danado do espelho e tenha calma. Como disse o Hans Donner em uma palestra que assisti essa semana; a beleza da vida não está quando se corre. Está nos detalhes. É na calma da observação que se vê o belo. Por isso encare-se sem ajustar a mira para aquela pontinha do nariz que sempre a irritou ou na única orelha de abano que Deus lhe deu (puxa, ele também deu tantas coisas boas, né?).

Não se irrite com aquela amiga sincera e tente perceber se de fato você não está fazendo procedimentos cirúrgicos demais no seu rosto ou corpo e esquecendo de escolher o peeling mais eficaz que existe, o que ameniza não somente as rugas, mas as mágoas perdidas que passeiam desnorteadas aí por dentro da sua alma, confundindo todas as suas sensações, decisões e deixando menos pulsante o seu coração. Preste mais atenção na serenidade e no mistério do seu olhar do que na marca dos óculos da sua amiga. Entenda que você é mil vezes mais preciosa do que o brinco de esmeralda que você há tempos dá indiretas para o seu marido comprar.  

Se você não consegue enxergar o seu belo e a sua harmonia, sentir a imponência do seu cheiro, da sua história e da sua essência humana e feminina, ninguém vai ousar penetrar nessa intimidade tão sagrada que é você. Mergulhe mais e reclame menos! Pise firme e decidida na areia, na grama e não nas pessoas. Olhe o céu e os outros e não só as vitrines e redes sociais. Quanto mais perto estamos da força da natureza e conectadas com a sua grandeza, mais intensa e forte estará a nossa beleza. Tente não gritar tanto e sussurre todos os dias para o seu namorado espelho, como se o seu nome fosse Divinéia e se convide a viver bem com você: “Oi Divi, vamos lá viver nosso dia?” Se não der certo, tente de novo, todos os dias. Uma hora, sua divina estará a postos. Pronta para a festa.

“Na verdade, todo o corpo é universo.”
Mahãnirvãna tantra

Por Mariana Bertolucci

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.