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Luis Rubiales e os assediadores contumazes

A final da Copa do Mundo de futebol deveria ser notícia porque foi um marco importante para o esporte; por ter sido a primeira conquista da Espanha; por ter sido a despedida de Marta da seleção brasileira; por muitos motivos. Mas ao surpreender a jogadora Jenni Hermoso com um beijo na boca durante a entrega das medalhas, um homem transformou esse evento global em um exemplo de como o assédio é uma rotina e uma prática relativizada. Pergunto: quais. outros crimes são tão relativizados? “Um pico de dois amigos”, disse o presidente da Real Federação Espanhola de Futebol. Um pico de dois amigos em que a amiga não gostou nada. E, ao que parece, não havia permitido.

Algo sem maldade e sem sentido pode ser, ainda assim, um crime. Porque assédio é crime. Não é brincadeira. Não é piada. É crime. Um crime que, infelizmente, quando feito de forma cuidadosa, nunca é punido. No fim das contas, isso libera a prática contumaz de assediadores (homens ou mulheres) que sejam cuidadosos. Afinal, se não há maldade, se for um pico de dois amigos, tudo bem, né?

Quem pratica o assédio diante de câmeras o faz sabendo que haverá quem o defenda. Por quê? Porque conhece a sociedade em que vive: machista. Talvez seja um crime que compense… afinal, ele beijou à força uma mulher que não queria ser beijada. O fez em um dos momentos mais especiais, talvez, da vida dela. O que torna a marca da felicidade daquele momento em algo também triste. Quem tem o direito de fazer isso?

Assisti, coincidentemente, poucos dias antes desse episódio sórdido, a série documental da Netflix Johnny Depp X Amber Heard. Eu não acompanhei o julgamento. Mas li manchetes e tuítes. E, me envergonho, reproduzi impressões a partir disso. Achei que Amber tinha extrapolado e estava sendo vingativa, apenas. Depois de ver a série da Netflix, me senti envergonhada, porque eu – logo eu – caí na velha resposta dos assediadores: descredibiliza a vítima, a mulher; fala que ela é a louca; e tudo ficará bem. As pessoas compram essa versão. Eu comprei. Por um tempo, mas comprei. Que vergonha.

Logo eu, que fui vítima de assédio, denunciei e vi nada acontecer. Foi um pico, foi uma brincadeira, foi uma cantada. Sempre os mesmos argumentos: seja da justiça, do assediador, da sociedade… É melhor culpar a vítima, chamá-la de louca, de raivosa, de vingativa, de incompetente. Fizeram isso comigo. O promotor acatou. Fim da história.

Fim da história? Não! Há muito a ser feito e mudado. E isso só acontecerá quando a sociedade entender que assédio não é cantada; que assédio não é um pico de amigos; que assédio não é brincadeira. Assédio é crime. Quem não denuncia acaba sendo cúmplice; quem mente em depoimento também. E a justiça, quando não faz sua parte, também. Como você tem agido com relação aos diversos tipos de assédio que presencia ao longo de sua vida?

Flávia Moreira, jornalista

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