O 20 de março, marcado, entre outras coisas, pelo julgamento do caso Robinho no STJ após sua condenação por estupro na Itália, começou com a notícia vinda da Espanha que, de alguma forma, violenta as mulheres mais uma vez. Daniel Alves, se pagar 1 milhão de euros (R$5,45 milhões), terá o direito de ser solto para aguardar em liberdade enquanto sua defesa recorre da condenação.

O estuprador condenado mudou de versão cinco vezes sobre o crime que cometeu. Nunca demonstrou arrependimento. Ao contrário, argumentou, por fim, que estava bêbado e por isso não sabia o que tinha feito.

Um estuprador poderá ser solto porque pagará uma pequena fortuna para a justiça. A liberdade tem preço? Para a vítima do estuprador condenado, os milhões garantidos a Daniel Alves pelo pai de Neymar Jr. para pagar a conta, significa medo, revolta, angústia, injustiça e outros tantos sentimentos. Quase todos opostos à liberdade comprada.

Tudo isso surpreende? Não. A gente comemorou a condenação porque ela dizia, em alto e bom som, que a voz da vítima foi ouvida. Ou seja, a justiça acreditou nela. A pena foi a mais adequada possível? Não. Foi amena. Parece, agora, que estavam preparando terreno para esse 20 de março.

É difícil acreditar que a violência contra mulheres vai passar. Além dos casos de estupros praticados por Daniel Alves e por Robinho, um homem, em Fortaleza, resolveu assediar uma mulher em um elevador. As imagens que comprovam o assédio são impressionantes, porque há valentia na hora de tocar a mulher e há covardia na corrida no estacionamento, buscando uma fuga.

Qual a dificuldade de sexo com consentimento? Qual a dificuldade de ver uma mulher bonita e não se sentir no direito de tocá-la ou falar palavras invasivas, que violentam pela intimidade não consentida? Onde encontram prazer no abuso? Isso, para mim é barbárie. Quando um homem não vê a mulher como uma igual, como um ser humano, ele a rebaixa a algo menor, menos importante, indigna.

Enquanto a justiça, no Brasil e no resto do mundo, for branda, enquanto exigirem vídeos que comprovem denúncias (porque a palavra não basta na maioria dos casos) de assédio e violência sexual, haverá sinal verde para que jovens bárbaros se criem achando que têm o direito de violentar mulheres. Será? Em Porto Alegre, em 20 de março, lemos a notícia de 16 adolescentes que montaram e disseminaram vídeos falsos de nudez feitos com a ajuda da inteligência artificial.

É possível acreditar que tudo isso vai mudar? Sim. O ritmo, porém, será lento, muito lento. O sinal desse ritmo vem da maior cidade da América Latina: a Comissão de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher da Câmara de Vereadores de São Paulo é formada somente por homens.

Enquanto isso, a gente vai dizendo o óbvio até perder a voz: sexo oral é sexo (Daniel Alves e Robinho dizem que não!); assédio é assédio, cantada é cantada, flerte é flerte; passar a mão em uma mulher sem consentimento é crime; divulgar vídeos ou fotos íntimas sem consentimento é crime; e, sim, nós mulheres somos tão humanas quanto homens.

Há de chegar o dia em que tudo isso, além de ser crime, seja também sinônimo de cadeia, justiça e liberdade para as vítimas poderem denunciar sem medo do ataque à reputação que SEMPRE vem de abusadores, estupradores e assediadores. Aliás, lembrei de Clarice Lispector: liberdade é pouco; o que eu desejo ainda não tem nome.

Por Flavia Moreira, jornalista

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