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Em O Banquete, um dos diálogos de Platão, vários ilustres cidadãos atenienses, reunidos para festejar a vitória de um deles num concurso de poemas, combinam não beber demais para que, sóbrios, ou quase sóbrios, possam louvar Eros, o deus do amor.

Cada um dá a sua versão do amor. Diferentemente de todos, Sócrates nega que Eros (o amor) seja um deus — ele é um daemon, um espírito intermediário entre os homens e os deuses.

Sua origem seria a seguinte:

Os deuses festejavam o nascimento de Afrodite (a deusa da beleza) num banquete. Entre eles, estava Recurso (Poros), um dos deuses mais belos e poderosos, filho de Prudência. Na escadaria do palácio, mendigando migalhas, não convidada para a festa, estava Penia, deusa da pobreza e da falta (daí a palavra osteopenia).

Embriagado, Recurso vai até o jardim do palácio e adormece. Penia deita-se ao seu lado e o seduz. Desse ato nasce Eros (o amor), filho do Recurso e da Falta, que carrega consigo por toda a vida as características antagônicas de seus pais (riqueza e pobreza, ter e não ter). Essa, segundo Sócrates, seria a origem do amor, conforme lhe fora ensinado pela sacerdotisa Diotima.

Como os participantes do banquete não escondem nem limitam, falam abertamente do amor físico, louvando todas as suas formas, inclusive o amor homossexual e até a pederastia (era comum e tinha outra conotação naqueles tempos), O Banquete, durante a Idade Média, torna-se um livro perigoso. Sua versão original circulava apenas de forma clandestina nos mosteiros e, mais tarde, até 1960, integrava o index, a lista de livros proibidos pela Igreja Católica.

Disso, é possível concluir que, para sobreviver à Inquisição e chegar até nossa época, esse livro foi adulterado na Idade Média e, talvez por isso, um dos conceitos modernos mais distanciados do seu sentido original é o de amor platônico que, ao contrário do que se pensa hoje, jamais negou o corpo.

O amor seria uma escada de sete degraus, dos quais o primeiro seria o amor físico, a necessidade de se buscar a imortalidade pela procriação; o segundo seria o amor não por uma pessoa, mas pelas formas belas; o terceiro seria o amor pela beleza, independente da forma, e assim por diante, até alcançar o belo, o bom.

A diferença entre o amor descrito por Platão e seu conceito moderno é que, em Platão, os degraus se somam, não se eliminam. Portanto, do medo e suas fogueiras supõe-se que veio essa adulteração do conceito original. Assim, em Platão, o amor inicia-se no corpo e, sem descartá-lo, sem esquecê-lo ou negá-lo, vai em busca do belo. Os gregos nos ensinam isso há mais de 2,5 mil anos. Será que nunca vamos aprender?

Por Ana Mariano

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