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Como acompanhar investimentos na economia real?

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A Revista Bá já tem cinco anos e faz parte do cotidiano gaúcho. Entretenimento, arte, comportamento e cultura sob os olhos de sua idealizadora e editora, a jornalista Mariana Bertolucci. Não sou jornalista, mas sempre gostei de escrever, de analisar criticamente e de interpretar o mundo e sua complexidade. Antes à frente de uma banca jurídico-empresarial no Sul, e agora na ponte aérea Sul-São Paulo, atuando no mercado financeiro em operações de fusões e aquisições, o mais importante foi a liberdade e apoio que recebi para “pensar” este espaço de temas delicados, como economia, numa revista leve, mas com profundidade de conteúdo. Espero poder contribuir, sem arriscar a graça e a qualidade editorial que são a marca da Bá e que representam o DNA da Mariana.

Nesta coluna, apresento dois temas: como investir e acompanhar empresas reais, não só as listadas na bolsa de valores, e uma reflexão sobre ações concretas que levam ao sucesso ou fracasso uma operação de fusões e aquisições. Críticas e sugestões sempre serão bem-vindas.

Economia real: como acompanhar estes investimentos?

Uma preocupação do investidor comum — pessoa física ou empresa — é acompanhar, além das tendências e riscos do mercado, dados efetivos sobre as empresas nas quais investe. Uma pesquisa do IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores) em parceria com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) mostra que, apesar do avanço qualitativo e quantitativo de informações, os investidores ainda sentem falta de informações sobre receitas e despesas das companhias. Se esse embate já existe com empresas de companhia aberta, fiscalizadas por órgãos reguladores e com mecanismos de transparência e acesso à informação, imagine como controlar as operações de uma empresa de médio porte de capital fechado com gestão profissional ou familiar, por exemplo.

Com a redução da SELIC e o baixo retorno de fundos de investimento tradicionais, além das turbulências e maior risco em operar na bolsa de valores, investidores estão identificando oportunidades na economia real. Mercado antes explorado apenas pelos private equity, esse segmento passou a receber a atenção de family-offices, empresários de diversos segmentos e mesmo pessoas físicas atrás de oportunidades para investir em empresas de menor porte, mas com potencial de crescimento.

Se vislumbrar uma tese de investimento atrativa nesse tipo de companhia não é fácil, mais desafiador será ter acesso a números e acompanhar indicadores da empresa, geralmente pela falta de estrutura. Reuniões acabam sendo mais informais, a visão estratégica e o plano de ação são coordenados direta e individualmente pelo dono e algumas pessoas do corpo diretivo e, em muitos casos, há ainda carência de indicadores financeiros, confusão patrimonial entre empresas do grupo, fora a inexistência de auditoria.

Se grandes empresas ainda não possuem uma área dedicada exclusivamente ao departamento de RI, imagine companhias de capital fechado de pequeno e médio porte, cujas prioridades sempre foram o binômio foco no cliente e na relação com fornecedores.

A entrada de um investidor nesse tipo de empresa pressupõe uma mudança cultural e, acima de tudo, de procedimentos. Um conselho efetivo, reuniões periódicas para acompanhamento da operação e alinhamento estratégico, além de um espaço efetivo para questionamento e participação dos investidores são fundamentais, bem como melhorias e clareza nas demonstrações financeiras; evitar confusão patrimonial entre sócio, família e empresa; boa vontade e proximidade com o sócio investidor que está chegando.

O investidor quer retorno financeiro; empresário quer, dentre várias coisas, sustentação do negócio, crescimento e capital para execução de novos projetos, pensando, ambos, no ganho de mercado, valorização do negócio e venda futura de toda a operação. O investidor, por sua vez, deverá ter a consciência de que, diferente de acompanhar posições na bolsa ou em fundos multimercados, deverá ter uma proximidade real com o negócio, mesmo não participando do dia a dia da operação.

Fusões e aquisições — querer fazer vale mais que um bom contrato

Empresários experimentados dizem por aí que, em matéria de compra e venda de empresas, o segredo está em um contrato bem amarrado. Num país como o Brasil, onde as coisas não são levadas a sério e até o passado é incerto, concordo sobre a importância de um contrato bem redigido em operações de fusões e aquisições. A essência para o sucesso de uma operação de M&A, porém, está no comportamento das partes compradora e vendedora quando querem fazer o negócio.

Vale a leitura da entrevista publicada pela Revista Exame em março/18 com Victorio De Marchi, ex-presidente da Antarctica e conselheiro da Ambev, que conta em livro os bastidores da fusão com a Brahma em 1999. Empresas concorrentes e rivais à época, Brahma e Antarctica demoraram apenas 45 dias para costurar o acordo, e o mais revelador está nas palavras de De Marchi:

“Todos os contratos são muito bacanas, mas em 20 anos nunca precisamos abrir os documentos. Deu certo pelas pessoas envolvidas, que queriam que as coisas funcionassem.”

Quando comprador e vendedor entram numa negociação pensando em só tirar vantagens, depreciar ativos ou impor processos e visões, a soma é igual a zero, e a possibilidade de não sair negócio é muito grande.

No caso de Brahma e Antarctica, as empresas decidiram contratar um só banco para fazer a avaliação de cada companhia. Mesmo a Antarctica sendo menor, decidiu-se, no controle, ter a nova empresa com uma administração conjunta — quatro conselheiros de cada lado e uma copresidência no conselho. Um grupo de trabalho escolheu ainda as melhores pessoas e os melhores processos de cada uma das empresas. O resto faz parte da história da gigante Ambev. Histórias como essa nos fazem refletir como, no mundo das operações de fusões e aquisições, pessoas preparadas, a vontade de fazer e o equilíbrio de interesses podem ser mais decisivos do que processos e contratos burocráticos num jogo de vencedores e vencidos.

Por Fabricio Scalzilli

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