Definir o artista plástico Fernando Baril é uma das tarefas mais difíceis a que um jornalista possa se lançar. Múltiplo, ele dispensa qualquer apresentação, ao mesmo tempo é de uma simplicidade comovente. O que é único e indescritível é o seu olhar quando reflexiona através de suas pinturas, um mundo em convulsão, como parece ser a sua cabeça. Observador atento de absolutamente tudo o que se passa em sua volta, utiliza a passarela da avenida Borges de Medeiros, no centro de Porto Alegre, onde mora, como garimpo para muitas de suas interpretações do cotidiano. Tudo serve de pretexto, de motivo, de inspiração. Tudo reverte em arte. Não sem antes passar pelo seu olhar apurado, crítico, ácido, extremamente lúcido. Ao sonhar acordado, como ele mesmo diz que faz, nos remete ao seu mundo sarcástico, em uma atitude generosa, a mesma com que recebe suas poucas visitas em casa, desnudando seu universo artístico tão rico e sofisticado.

Fernando Baril não é afetado, não é saudosista e tem os olhos no futuro, embora dispense telefone celular e prefira o contato real com a vida, seus cheiros, defeitos, imperfeições e indagações. Seus 50 novos quadros, (na época) ainda inéditos em uma exposição, têm nomes e retratam absolutamente tudo o que se passa por sua mente. Não costuma fazer nem croquis nem esboços. Pinta direto na tela, ele mesmo não sabe, muitas vezes, até onde irá cada quadro. Seu trabalho, inclassificação, já serviu de tema inclusive para uma tese em Cambridg em que quase enlouqueceu os ingleses com suas imagens fortes, contundentes, cheias de reflexões e significados ocultos. Um prato cheio de filosofia e a psiquiatria. Aliás, a psiquiatria é uma de suas tintas, já que fez muitos anos de divã e carrega os resultados em imagens impactantes que guarda nos escaninhos da memória. Mas o melhor divã para esse artista tão inquieto parece ser mesmo a vida real. O convite para ser padrinho de um casamento da vendedora de jornais da esquina onde mora rendeu 70 novos quadros, provando que seu mote é mesmo a vida e seus desdobramentos. Quem quiser elocubrar sobre a sua obra, fique à vontade. Aos 66 anos, ele não tem compromisso com absolutamente nada, a não ser com o que pinta. “O rei está nu, e ninguém tem a coragem de falar sobre isso”, profetiza.

Mas ele tem, e de sobra. Seus quadros são inquietantes, figuras nuas e cruas de um realismo perturbador. E, ao mesmo tempo, muito divertido e poético. Coisa de gênio.

Outra faceta de sua personalidade pouco conhecida é sua paixão pela culinária, o que levou a se formar como chef de cozinha pelo Senac. “Eu cozinho para mim mesmo e adoro inventar e criar pratos”, sintetiza. Acha que seu trabalho é para poucos. Ledo engano. Sua obra é um testemunho do comportamento humano, por mais risível que possa parecer. É tudo verdade. Sexo, tecnologia, religião, tradicionalismo. Mulheres, tendências, corpos, história, tudo cabe em sua arte.

Hiper-realista, surrealista, pós-modernista, todos os rótulos e escolas restam imperfeitos. Fernando Baril tem um trabalho único na arte brasileira e internacional. Para Cézar Prestes, gestor cultural, ex-diretor do Margs e ex-secretário de estado da cultura do RS, Baril tem uma linguagem própria. “Ele é audacioso, se coloca muito bem em cenas que poderiam ser chocantes, mas se tornam poéticas, surpreendem você”, ressalta. Mas ninguém melhor do que ele para se definir, deixando o jornalista um pouco mais aliviado. “Eu não me levo a serio demais, o que retrato é apenas um testemunho incômodo da atualidade”, finaliza.

Foto: Gilberto Perin

Matéria escrita em dezembro de 2014

Por Ivan Mattos, jornalista e colunista

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