Nunca fui boa com datas. Ainda nem encontrei a guirlanda e o Natal já está na porta. Não montei minha árvore feita pelos índios de cipó, com topes vermelhos e anjinhos. Não existe nenhum Papai Noel pendurado em alguma prateleira da casa. Na verdade, não dou muita importância para essa parte decorativa. Gosto dos fios de led, daqueles varais com bolinhas brancas, mas essas luzes mantenho acesas o ano inteiro na minha casa, no meu terraço e no meu espaço de atendimento.

Essa semana fui em uma expedição de compras de presente em um shopping a convite da minha irmã. Para fazer companhia, aceitei. A experiência não foi boa. Foi como ver manadas de formiguinhas suadas, carregando sacolas de lá para cá com cara de poucos amigos. Pessoas irritadas na compra de um presente para “ticar” aquele item de sua lista de afazeres. Só quem estava com cara boa era quem estava atendendo nas lojas e, mesmo assim, nem todos. Cumpri minha missão. Comprei também a contragosto o que o meu amigo secreto tinha pedido e sai de lá com dor de cabeça.

Esse para mim é o Natal Nutella. Ninguém lembra que Jesus nasceu, que a manjedoura era bem básica, que ter um filho nessas condições não deve ter sido nada agradável. Precariedades que a maioria dos brasileiros conhece de perto. Ninguém nem mesmo questiona se Jesus nasceu ou não mesmo nessa data. Essa parte da tradição foi criada à medida em que o Cristianismo passou a ser religião dominante. O objetivo era que os festejos pagãos da Saturnália fossem abandonados e apagados da história. Essas festas em homenagem a Saturno celebravam o solstício de Inverno.

Os embalos duravam sete dias e começavam em 17 de dezembro. Nesse período era celebrado o renascimento do ano. Haviam banquetes, festas, troca de presentes e uma certa liberalidade que permitia que os escravos estivessem em uma relativa igualdade com seus senhores (não creio que nenhuma das partes esquecessem de que lado da pirâmide social estavam). Resumindo virou o que é hoje e movimenta a economia. Se mantém essa sensação de fim de ciclo no ar. Embora isso acelere a frustração de muitos e a ansiedade de outros. A essa altura quem está lendo esse texto pensa: que pessoa estraga prazeres! Só falta ela dizer que não acredita no coelho da Páscoa. Realmente não gosto. Mas isso é um capítulo à parte. Um dia eu conto o porquê.

Mas tem uma parte que eu gosto nessa corrida maluca de final de ano. É a do encontro com a família. Lembro dos Natais em Caçapava do Sul, em que a casa dos meus pais ficava cheia. Eu era a tia que inventava moda. Sorteios, camisetas de um time dos sobrinhos, entrega de certificados para os melhores do ano em cada categoria, um quizz com perguntas sobre personagens da família. Nesta edição natalina o que acertou mais questões ganhou uma pequena ovelha feita com pelego. Havia também programas que Indiana Jones teria ciúmes. Uma vez fui com os sobrinhos em uma cascata tomar banho e enfrentamos três cobras e tivemos um pneu furado. Em outra aventura nas Minas do Camaquã, o sobrinho menor foi picado por uma vespa e gritava: “eu vou morrer! Imagina a minha cara entregando para a mãe na volta…

Eram dias simples que contavam apenas com a felicidade de estarmos juntos. Nos reuníamos no final da tarde na área da casa e começavam os brindes. Ficávamos contando Chevettes e apostando quantos seriam (sim,Caçapava é a capital latinoamericana do Chevette). Valia Fiat Uno também. Cada um fazia sua aposta. Em pouco tempo, começava o desfile dos Papais Noéis em carguinhas de camionetes. Uma gurizada que já estava para lá da Lapônia passava buzinando e atirando balas. E a gente saudava freneticamente a turba. Na hora da ceia um pouco de seriedade. Meu pai na cabeceira, a mãe puxando o Pai Nosso, as louças inglesas da vó Ondina na mesa, as taças de dias festivos e a famosa entrada de uma receita que era servida apenas nesse dia que meu pai batizou de “butifar” e um bufê de doces para arrematar.

Mas não terminava aí a nossa Saturnália. Outra parte divertida era de manhã, com os personagens chegando aos poucos, meio descabelados, cada um no seu ritmo, para o café. Era o momento dos comentários dos presentes. Da fofoca que o meu cão Dudu foi visto em cima da mesa da copa roubando peru do prato que foi mesa depois (tudo invenção!). Dos lembretes que a mãe colocava na geladeira que tinham, entre outras frases, “ligar para o peru!!”, escrito assim mesmo, com dois pontos de exclamação. Ninguém sabe até hoje se ele atendia, mas era presença certa no jantar.

A tarde era dedicada a contação de novidades antigas, meu irmão imitando políticos em seus discursos inflamados, histórias folclóricas da cidade, anúncios e gafes da rádio local, piadas que só quem é da família entende. Esse é meu Natal raiz. Não requer muita coisa. Só estar juntos, rir das histórias antigas, criar novas memórias está bom tamanho.

PS: Desejo um Natal leve para todos! Beijos Por Liège Alves, jornalista, terapeuta floral e mestre em rakiram

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