Viver esse mundão sempre foi o meu lema, desde muito jovem. Aos 15 anos, fui sozinha para Nova Iorque fazer um curso de ballet. Aos 18, fui morar em Londres, na Inglaterra, para aperfeiçoar meu inglês. Naquela época, a maioria das pessoas mal sabia onde ficava o Brasil, menos ainda que existia um estado chamado Rio Grande do Sul, cuja capital é Porto Alegre.
Me perguntavam se a capital do Brasil era Buenos Aires. Os mais viajados conheciam apenas o Rio de Janeiro ou São Paulo. Com o passar dos anos, o mundo foi se tornando mais globalizado e o Brasil mais conhecido. Viajei muito a trabalho para diversos países e sempre tive muito orgulho de dizer que era brasileira. A receptividade sempre foi incrível! Mas, novamente, as referências eram do Rio de Janeiro ou Bahia. As tradições brasileiras conhecidas pelos estrangeiros vinham dessas regiões.
Além do orgulho de ser brasileira, eu tinha algo que me enchia ainda mais de orgulho: ser gaúcha. Sempre me senti diferente. Dizem que é coisa de gaúcho, que é bairrista e se acha o melhor de todos. Mas o gaúcho tem características únicas. O costume de tomar chimarrão: sempre levei o meu comigo e muitas vezes fui parada para explicar o que era. Levar erva mate para fora do Brasil é, até hoje, complicado nas alfândegas. O churrasco é outro costume forte. Claro que o Brasil inteiro come churrasco, mas a churrasqueira está presente em TODAS as construções do Rio Grande do Sul. Morando em Brasília, há mais de 15 anos, ainda estranho quando visito amigos que não têm churrasqueira em casa. Acho que, no Sul, antes de construírem as casas, fazem a churrasqueira. (risos)
O jeito de falar é outra característica muito marcante nos gaúchos. Não existe expressão que substitua o “BAH”, até que me provem o contrário. “BAH” serve para tudo: alegria, tristeza, emoção, surpresa, e por aí vai. Há muitas outras características que são EXCLUSIVAMENTE gaúchas. Eu costumava comentar com uma amiga argentina que me identificava mais com ela do que com amigos do resto do Brasil, pela proximidade dos costumes, clima e até palavras usadas e expressões.
Confesso que, durante todos esses anos de viagens ao exterior, sempre tive que explicar de onde no Brasil eu era, que éramos vizinhos do Uruguai e da Argentina, que era uma região fria numa época do ano, e que tomávamos uma bebida chamada chimarrão. Também me questionavam como eu poderia ser brasileira, pois como muitos gaúchos, tenho traços europeus. Aí, eu explicava que eu era descendente de uma mistura de imigrantes italianos e ucranianos, que migraram para o sul do Brasil em épocas de guerras e dificuldades na Europa.
Eu achava que éramos tão diferentes do resto do país que as pessoas tinham que nos conhecer. E que o mundo precisava visitar o sul do Brasil! Lamentava que uma cultura, um povo e um estado tão distintos do resto do Brasil não fossem mais conhecidos. Mas consegui convencer alguns amigos estrangeiros a viajarem para o Rio Grande do Sul, e eles amaram!
Há três semanas, o mundo todo voltou sua atenção para o meu estado. Morando na capital federal, tenho a sensação de estar em Porto Alegre, assistindo às notícias locais, vendo as ruas da minha cidade e estado alagadas, casas destruídas, e uma tragédia que eu nunca imaginei alcançar esse cantinho do mundo que tanto amo. Meus amigos estrangeiros, que não conheciam o meu estado, me telefonam falando sobre a minha terra, com detalhes que nunca pensei que saberiam. Nos últimos dias, países do mundo inteiro só falam de um assunto: a tragédia do sul do Brasil.
Minha vontade de que o mundo soubesse onde fica o meu estado virou realidade, mas nunca imaginei que seria dessa forma. Tenho certeza de que na próxima viagem que eu fizer para fora do Brasil, não precisarei explicar onde fica o Rio Grande do Sul, nem mostrar no mapa e dar detalhes sobre costumes e tradições. Todos saberão. Mas preferia continuar contando do Rio Grande do Sul desconhecido do que ter meu estado mundialmente conhecido por uma tragédia histórica.
Por Leticia Palma, jornalista