Isis Valverde como Ângela Diniz

Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio

Seguidamente, no campo político, ressurge a discussão: o Superior Tribunal Federal (STF) pode legislar?

Este questionamento, normalmente, vem para criticar a instituição, com o argumento de que a Corte não pode invadir a competência do Poder Legislativo — formado pelo Congresso, ou seja, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, eleito democraticamente para representar a sociedade brasileira. E é verdade.

Significa, então, que não há limites para ocorrer a interferência de outros poderes, em especial do Poder Judiciário, nas leis? Não.

Dentre as formas de o STF interferir está o julgamento de alguma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), movida para questionar se uma lei é ou não constitucional. Como ocorreu no caso do não reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo biológico como entidade familiar; e no uso da tese da legitima defesa da honra.

Esta semana, a Comissão de Previdência e Assistência Social da Câmara aprovou um projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo, com 12 votos a favor e cinco contra. Uma proposta que contraria a decisão do STF de 2011, quando reconheceu a união entre casais do mesmo sexo como entidade familiar através do julgamento de uma ADI.

A ação questionava o artigo 1.723 do Código Civil, que só reconhece como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, por violar os direitos fundamentais do ser humano, garantidos pela nossa Constituição. Como a proibição de qualquer forma de discriminação e o princípio da igualdade, por exemplo.

Ou seja, além de atacar o estado laico e uma população já tão calejada pela opressão e pela discriminação — a comunidade LGBTQIA+ —, a bancada fundamentalista, em sua maioria formada por evangélicos e bolsonaristas, atenta contra própria a Constituição.

No caso da legítima defesa da honra, a declaração de inconstitucionalidade se deu de forma bem mais tardia, em agosto deste ano de 2023. A tese, utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher, era um subterfúgio para justificar o comportamento do assassino ou agressor. Exatamente isso que você leu. Justificar um assassinato ou uma agressão pela conduta da vítima, que supostamente fere a honra do pobre homem vítima de adultério ou de comportamento inadequado da esposa ou namorada.

Foi essa a tese de defesa usada pelo assassino de Ângela Diniz, morta com três tiros no rosto e um na nuca.

Ângela foi morta em 1976 pelo namorado, Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca. O crime aconteceu na Praia dos Ossos, em Búzios (RJ), enquanto ela tentava terminar o relacionamento. E chocou o Brasil. Mas a opinião pública ficou ao lado do assassino durante todo o julgamento.

Um recorte temporal desses 4 meses de namoro na Praia dos Ossos pode ser assistido no filme Ângela, que entrou esta semana no catálogo do Prime Vídeo. Isis Valverde interpreta brilhantemente Ângela, e Gabriel Braga Nunes o Doca.

O caso foi citado pelos ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia durante sessão do STF sobre a tese da legítima defesa da honra. Coincidentemente, o longa-metragem entrou no streaming pouco mais de uma semana após o julgamento que, finalmente, proibiu essa tese de defesa.

Como falei no início deste texto, os ministros da Corte não podem mesmo legislar. Mas cuidado quando ouvir por aí coisas do tipo “ativismo judicial”, “STF legislando” e por aí vai. Questione. Trata-se mesmo de uma suposta invasão do Poder Judiciário no Legislativo, ou uma retórica disfarçada, para criticar alguma decisão que desagrada a extrema direita, os conservadores, a bancada evangélica e os bolsonaristas? Fica o questionamento.

E, ao STF, que siga protegendo nossa Carta Magna. Na legítima defesa da Constituição.

Nesta semana, no podcast Bá que papo, falamos sobre o filme Ângela, do diretor Hugo Prata. Comentamos tudo que achamos, a repercussão, as críticas e o nosso ponto de vista sobre a obra e caso. Ouça agora no Spotify clicando aqui. Para ler outros textos da coluna Bá experiência, acesse este link.

Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio

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