Quando era criança acreditava que meu primo, que tinha um ano a mais que eu, era prefeito da cidade onde nasci. Tinha certeza que havia um gorila escondido no final de uma escadaria de um prédio da vizinhança. A gente passava ali naquela porta e gritava para ver se ele iria aparecer. Por medida de segurança, não ficávamos para conferir e saímos correndo rua acima aos berros.

Tinha também vários objetos mágicos. Na concha grande na cômoda da casa da minha avó eu ouvia o barulho do mar. Ao calçar um dos sapatos da minha mãe, virava adulta. Uma vez fui flagrada na rua em uma dessas fugas pela funcionária da casa que pensou: coitada daquela menina caminhando com tanta dificuldade! Meu bisavô também mexia os olhos em uma foto que ficava no corredor. E ele não tinha cara nada boa quando nos via passando de fininho por ali…

Na medida em que crescemos essa magia vai sendo substituída por interesses pessoais. Ler sempre me ajudou a me transportar para outros lugares. Um bom filme, quando nos envolve, também. No fundo são formas de meditar, parar um pouco nossa mente inquieta, cheia de afazeres e deveres.

O mundo adulto e a cobrança por sermos racionais e lógicos vai ocupando espaço na nossa vida. Cada vez mais o lúdico ganha menos tempo. E o que acontece? Vamos nos aborrecendo. Ficamos chatos, ranzinzas quando nos divertimos menos. Por isso, um encontro com amigos recheado de histórias, algumas antigas e outras novas, e risadas faz tão bem. Duvido que alguém que dance não se sinta mais leve depois. Ou mesmo quando fizemos uma lambança mexendo com tinta ou artesanato de algum tipo. Criar algo, mesmo que não seja uma obra-prima, traz momentos de felicidade. Pode mudar nosso humor e estado de espírito e nos levar a um outro lugar mais colorido.

Esses dias li algo sobre olhar para a vida com a visão de um artista, na qual cada pincelada é um passo a ser descoberto. Funciona bem, claro, para quem não tem um juiz interno forte que critica a perfeição de cada etapa, e condena à morte o autor da façanha se não ficou excelente. E dizer que somos cobrados por essa racionalidade, que é traduzida por manter os pés no chão, ou seja, não ouse. Não seja diferente. Se for assim, será taxado de lunático e não levado a sério. Percebem a inversão nesse raciocínio?

Mas como recuperar nosso encantamento sem secar internamente? É uma pergunta com resposta individual. Cada um pode procurar aquilo que lhe dá aquele gostinho de quero mais. Para isso precisa apenas se permitir. Ou relembrar: quem eu sou em essência? Fora títulos, cargos, papéis ou máscaras assumidas para sobreviver.

Semana atrás fui a essa cidade em que nasci. Para mim é como Macondo, um lugar encantado que não existe, pois já mudou muito desde que parti. Mas segue lá, em cima do morro, com as torres da igreja que a gente enxerga de longe, com as muralhas do forte que foi construído para nos defender dos castelhanos que nunca atacaram (mais uma obra de desperdício do dinheiro público). Mas a paisagem é importante para minha história pessoal. Assim como as pessoas que fazem parte dela, família, antepassados, amigos, lugares. É como a franja do Ray Conniff ou aquelas bolas coloridas dos pavilhões da Expointer. É bom saber que tem algumas coisas que não mudam, já que lidamos tanto com a impermanência. E nesses retornos, entro em contato com outra magia muito poderosa. A magia do sempre, que me dá uma sensação de quentinho no coração.

Por Liège Alves, jornalista, terapeuta floral e mestre em rakiram.

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