Nas minhas férias de fevereiro deste ano, passei alguns dias no Rio de Janeiro. Vi muitas coisas bonitas, entre elas uma confecção de roupas femininas feitas à mão. Encontrei essas peças numa loja multimarcas, penduradas numa arara — era o cantinho reservado àquela marca — e me encantei. Me apaixonei por tudo: os tecidos, os crochês nos acabamentos, as texturas e as misturas de cores. As roupas são divertidas, têm um ar infantil, mas são para gente grande. Eu queria TODAS, mas, dessa vez, comprei apenas uma camiseta. Voltei para casa seguindo o perfil da marca no Instagram. E desde então, seguimos juntos: o algoritmo e eu.
Em abril, comprei um casaco dessa mesma marca — tipo um blazer. Listradinho de cinza e branco, justinho, como se diz, “estruturado”, com acabamentos em crochê na gola e pequenos cisnes bordados à mão por todo o tecido. Simplesmente uma lindeza! Dividi em várias parcelas no cartão e fiquei cuidando o dia da entrega do correio, ou melhor, chuleando o dia — Chulear, é esse ponto de acabamento, feito à mão ou na máquina, que dá o toque final na peça e protege as bordas.
É claro que chegou num sábado, justamente na hora em que eu não estava em casa. E o entregador, mal-humorado, não esperou a portaria tentar a boa vontade de algum vizinho assinar — e foi-se embora. Minha filha, vendo minha decepção, tentou me consolar: — Mãe, fica tranquila, eles ainda tentam mais duas vezes.
Sério, naquela hora, lembrei das crianças que se atiram no chão e gritam quando querem uma coisa AGORA.
Na segunda-feira, o casaco chegou. Abri a caixa louca para vê-lo ao vivo. Era mais lindo ainda do que na foto do site! Deixei em cima da cama e, à noite, depois do banho, experimentei. Foi aí que percebi: estava apertado nos braços.
Puxa vida, pensei. Que droga!
Tentei me consolar de várias formas até que, no dia seguinte, falei com a marca pelo WhatsApp pedindo um tamanho maior. Puxa vida, de novo: esse modelo estava esgotado. A moça, tentando ser fofa, sugeriu tirar o forro. Mas eu não queria tirar nada do meu casaco — o forro também é lindo, e eu queria ele inteiro.
Foi então que pensei na costureira Nair, que costuma ajustar minhas roupas. Fui lá numa quarta-feira de manhã, por volta das 9h. Pensei: “Vou cedo, ela vai estar bem disposta. Vai dar tudo certo.”
— Bom dia, Nair, tudo bem contigo?
— Bom dia, Valesca. Tudo.
— Nair, olha só que coisa mais linda esse blazer que eu comprei, feito à mão. Deve ter sido costurado por mãos como as tuas. Ele é perfeito, mas me aperta nos braços. Vou experimentar pra tu ver.
Ela ficou quieta, me observando. Depois que me viu com o casaco, sentenciou:
— O tecido desse blazer não dá de si. Não tem o que fazer.
Na hora, pensei: “quem não dá de si é tu, Nair”.
Tentei insistir, dizendo que ia conversar com a minha mãe e voltar com uma solução. Nair, que não estava num dos seus melhores dias, respondeu apenas: “Tá.”
Tá, nada, pensei, com o meu blazer de volta na sacola.
Dois dias depois, fui ao supermercado. No estacionamento, vi que havia um serviço de costura. Coloquei as compras no porta-malas, peguei o casaco, que ainda estava no carro desde o “não” da Nair, e fui bater em outra porta — ou melhor, em outra costureira.
Cheguei lá, ele na sacola e eu, com um “bom dia” mais animado que o normal — acho que meu inconsciente já sabia que eu teria que convencer essa nova costureira. Estavam em duas. Perguntei:
— Gurias, tenho uma missão meio difícil. Qual de vocês é a mais experiente para tentar me ajudar?
Uma delas respondeu:
— A Nena! Não tem o que ela não resolva!
Mostrei a obra de arte. As duas ficaram encantadas, viram que era feito à mão, entenderam que eu queria usar o casaco para uma palestra em São Paulo e que ele, do jeito que estava, limitaria meus movimentos. A Nena disse:
— Tira o casaco que eu vou abrir o forro e ver se dá pra ajeitar por dentro.
Em instantes, voltou com uma tesourinha que parecia de cirurgião. Tic tic tic. E falou:
— Fica tranquila. Tem pences nas costas e nos braços, vou resolver pra ti. E mais: vou passar a máquina de overloque pra evitar que desfie por dentro.
Essa marca do blazer é artesanal, feita à mão — assim como eu acredito que deve ser a educação, principalmente das crianças: no miudinho, no detalhe.
A Nena, se não fosse costureira, poderia ser o que quisesse — inclusive professora. Na sua simplicidade, acolhimento, inteligência e experiência, ela resolveu. E me acolheu.
No final do ano passado, ouvi uma palestra do Piangers. Entre tantas coisas importantes que ele disse, uma me veio à cabeça vendo o jeito da Nena:
“Já que você levantou e foi trabalhar, dá o seu show!”
A Nena fez isso. E eu a aplaudi de pé.
Valesca Karsten, Educadora, diretora da Escola de Educação Infantil Caracol de Porto Alegre. Curadora de arte para a infância e realizadora do Podcast PodeMãe. @valesca.karsten