Por mais que a gente leia, ouça e até tente se preparar, nunca estamos prontos quando a morte leva alguém que fazia parte das nossas vidas. Foi assim, no início deste ano, quando perdemos uma professora do time da minha Escola – jovem, criativa, afetuosa, daquelas que deixam marcas boas no jeito das crianças olharem o mundo. Depois de um AVC e meses de hospitalização, ela partiu e a tristeza nos atravessou.

Vieram perguntas dos pais, entre elas: “Como vocês vão falar sobre a morte com as crianças?” Procurei acolher e tranquilizar, mesmo com o meu coração dilacerado. Disse que faríamos o que sempre fazemos quando se trata do essencial: com escuta, verdade e respeito ao tempo de cada criança. Deixaríamos que viessem as perguntas, os desenhos, as brincadeiras – porque são esses gestos que ajudam a dar forma ao que o coração sente e ainda não se manifestou em palavras.

Dias atrás, meses depois do acontecido, o pai de uma criança que foi aluna dessa professora me procurou. A filha queria saber por que as pessoas morrem, quando morrem e para onde vão depois que morrem. Ele, com medo de não responder da melhor forma, veio me contar o que disse para a filha: “Que as pessoas morrem velhinhas, que isso costuma demorar bastante, que ele estava com saúde e que demoraria muito para morrer – até ela seria quase velhinha quando ele ficasse mais velho.” A menina continuou com outra pergunta:

“Papai, por que a profe morreu se ela era nova?”

“Porque isso é raro, bem difícil, mas às vezes pode acontecer, filha.”

É por isso que, nesses momentos, falar a verdade é um ato de amor. A meia-verdade confunde; o silêncio assusta mais do que a própria morte. Verdade com cuidado devolve contorno e segurança:

“Ela morreu; não vai voltar. E nós vamos sentir saudades. Quando a saudade bater, podemos lembrar, conversar, desenhar ou também ler uma história.”

Quando faltam palavras, a literatura ajuda. Com boa curadoria, o livro vira abraço. Recomendo três obras delicadas: Desesquecida (Súria Scapin e Lumina Pirilampus), que mostra que o que vai também fica na memória; A Quatro Mãos (Marilda Castanha), que fala das mãos que cuidam e permanecem; e Tartaruga (Ângela Cuartas e Dipacho), que nos ensina o ritmo do tempo e das transformações.

Talvez morrer seja apenas mudar de forma — sair do corpo e continuar nas memórias afetivas, nas histórias contadas, nas músicas cantadas, nos desenhos, no coração.

Valesca Karsten

Curadora de arte para a infância e realizadora do podcast PodeMãe.Valesca Karsten é educadora, fundadora e diretora da Escola de Educação Infantil Caracol, em Porto Alegre, curadora de arte para a infância e realizadora do podcast PodeMãe.

@valesca.karsten

CategoriasSem categoria

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.