O meu pai tem 92 anos. Faz 59 anos que eu o conheço. Das lembranças da infância lembro de ganhar colo, cafuné, dele vir me tapar no inverno e pressionar bem as cobertas em mim para que eu ficasse bem aninhada e aquecida. Lembro também dele me ensinar a tabuada, principalmente a do 9, eu sempre me apertava na conta do 9×8.

Meu pai era caixeiro viajante, se ausentava todas as semanas. Saía nas terças e voltava nas quintas, por mais de 40 anos. Depois parou de viajar, mas seguiu sendo vendedor. Descendente de alemães, do pai dele herdou uma fleuma de rico, mesmo sendo pobre. Meu avô Guilherme era duro, tinha uma pequena propriedade e São Pedro do Sul, no RS. Sua riqueza, ao meu ver, foi sua mulher, a mãe do meu pai, a Vó Elza.

Quando eu era criança, lembro de visitarmos algumas vezes a casa desses avós, não tinha luz elétrica, minha avó não tinha geladeira, eu achava estranho, via ela tirar de umas latas grandes, uma carninha branca e deliciosa. Anos depois, perguntei para a minha mãe sobre isso e ela me explicou que assim conservavam as carnes, dentro de latas com gordura de porco, a famosa banha.

Vou contar outras coisas que o meu pai fazia, regularmente: jogava tênis 2 vezes por semana, anos a fio. Tomava uma dose de whisky, com várias pedras de gelo, sacudia muito aquele copo. Quando eu era pequena, eu achava legal, quando fui me tornando uma adolescente, achava um saco. Tinha a mania de assustar a minha mãe, quando ela ia sacudir a toalha no pátio de casa, ele aparecia, do nada, e assustava ela, eu ria do grito dela, no início, depois ficávamos as duas brabas com ele, um dia ele parou, ainda bem.

E assim fui crescendo, mais perto da mãe do que do pai, como muitos do que me lêem agora. Na maturidade, fui me afastando mais do pai, por dentro. No ano que eles fariam 50 anos de casados, minha mãe quis se separar. Faz anos que eles não são mais um casal, são os nossos pais, meus e dos meus irmãos. Quando o visito e ele fala algo que eu não gosto, fervo por dentro, espero me acalmar e pontuo, cada coisa. Nem sempre volto com a sensação que ele compreendeu, mas eu falo e penso: falo por mim e pela minha mãe.

No dia que escrevo esse texto, meu pai está hospitalizado, acreditem: o meu velho nunca foi hospitalizado. No auge dos seus 92 anos, ele não toma nenhum remédio. Semana passada ele ficou prostrado, os pés incharam muito e ele foi para o hospital investigar a causa. Uma insuficiência cardíaca. Na segunda dose da medicação, seu Lauro já respondeu bem à medicação. Quando fui vê-lo, me deu um baita abraço, um beijo estalado na bochecha e disse: “Filha, se os carros, com poucos anos, precisam de manutenção e troca de peças, imagina eu com 92 anos.” Dois dias depois, ele teve alta.

Feliz Dia dos Pais, para o meu pai e o de vocês também!

Valesca Karsten

Educadora, Fundadora e diretora da Escola de Educação Infantil Caracol, em Porto Alegre. Curadora de arte para a infância e realizadora do podcast PodeMãe. @valesca.karsten

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