No ano em que os meus pais iriam completar 50 anos de casados, minha mãe saiu de casa. Sou testemunha dos anos e anos que ela vinha pensando nisso — aliás, cresci vendo eles tentando. Hoje, ainda bem, nós, mulheres, estamos mais encorajadas a sair dos casamentos que não queremos mais. Mas, para a geração da minha mãe, não era bem assim.
Ela conta que vinham tentando negociar essa saída, mas meu pai não cedia. Então, ela deu o passo e saiu de casa. Morou alguns meses em um flat, mas como o ex-marido não saía do apartamento deles, ela pensou:
“Preciso morar em um lugar mais barato, juntar dinheiro para comprar outro apartamento para mim.”
Isso aconteceu quando minha mãe já tinha mais de 60 anos. Como era professora e sua formação vinha de uma escola religiosa do interior, pensou que talvez pudesse passar um tempo num internato de freiras — assim não se sentiria tão só e ainda pouparia uma grana.
Fiz essa introdução para contar a vocês a outra parte da história, que ela me revelou num domingo à tarde. Domingo é o dia que passamos juntas. Tomamos um chimarrão antes do almoço; às vezes eu cozinho, outras vezes comemos fora. Nesse domingo em que ela me contou essa história, estávamos na sua casa e, depois do almoço, deitamos juntas. Foi então que ela me entregou essa pérola:
“Sabe, filha, acho que nunca te contei essa história do tempo em que morei no pensionato. Eu fiz várias amigas — vinham mulheres de todo o Brasil. Muitas faziam mestrado, doutorado, a grana era apertada, e ficavam, assim como eu, no pensionato. Uma das minhas amigas era de Belém do Pará, animada, sentia falta de dançar aqui na nossa terra, e um dia — ou melhor, numa noite — planejamos sair.
Só que tinha um problema: pela regra do pensionato, o horário máximo de retorno à noite era às 23h. Foi então que nós duas, eu e minha amiga, chamamos a irmã Margarida — que era responsável pela contabilidade, manutenção e mais um monte de coisas do lugar — para explicar nosso caso.
E não é que a irmã Margarida autorizou a gente a voltar às duas da madrugada? E mais: ficou nos esperando, com uma cara de quem estava feliz com a nossa saída, ansiosa pelas novidades da volta do rolê!”
Que mulher essa Margarida. Que mulher essa minha Mãe!
Valesca Karsten
Educadora, diretora da Escola de Educação Infantil Caracol, em Porto Alegre. Curadora de arte para a infância e realizadora do podcast PodeMãe.
@valesca.karsten
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