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Exposição no Instituto Cervantes celebra a obra e vida do autor uruguaio Felisberto Hernández

No ano do centenário da publicação de Fulano de Tal (1925), primeiro livro do grande autor uruguaio, Felisberto Hernández (1902-1964) é homenageado em Porto Alegre. Para marcar essa data festiva sobre a carreira do escritor e pianista uruguaio está aberta ao público uma exposição especial que resgata e celebra a vida, a obra e o legado deste autor singular. A mostra que está em cartaz a partir do dia 20 de outubro no Instituto Cervantes reúne exemplares das obras de Felisberto, incluindo traduções e estudos críticos, além de livros relacionados à sua produção literária. Presentes na mostra também estarão quadros de Zoravia Bettiol, feitos especialmente para a ocasião, bem como dos artistas Gabriel Guimard, Paulo Frydman, Edgardo Flores e Maria Fernanda Vaz. A curadoria é assinada pela escritora e doutora em Letras, a porto-alegrense Denise Sabino Villanova, que teve, no mesmo dia, sua defesa de doutorado sobre ele.

Uma parte significativa da exposição retrata cenas da vida cotidiana do importante escritor por meio de fotos de família cedidas pelo neto de Felisberto, Sr. Walter Diconca Hernández.

Além de escritor, Hernández era exímio pianista, e trabalhou como tal por muitos anos. Para Denise, Hernández é um dos maiores autores da América Latina: “Ele tinha a típica alma de artista, foi mais aclamado que lido e hoje eleva-se à categoria de mito. Não é surrealista, mas herdou muitos traços do surrealismo. É a primeira exposição sobre Felisberto Hernández no Brasil.”

Um dos autores latino-americanos mais importantes da contemporaneidade, o uruguaio foi visionário; sem gênero literário definido, ele encabeça uma categoria própria e inconfundível. Autores como Julio Cortázar, Gabriel García Márquez e Italo Calvino se diziam influenciados por Hernández, que é considerado como um dos maiores escritores ainda pouco conhecidos da América Latina. Uma de suas características mais relevantes é o modo como o autor dá vida a objetos inanimados e os transforma em personagens marcantes da história. Isso torna inconfundível sua obra. A maioria de seus contos é escrito em primeira pessoa, em geral por um narrador obsessivo que nos transporta para dentro de seus delírios, transpondo as barreiras entre o real e o fantástico, transformando o sonho numa realidade muito mais viva do que a narrativa realista de suas obras.

Além de Fulano de tal (1925), Hernández publicou Libro sin tapas (1929), La cara de Ana (1930), La envenenada (1931), Por los tiempos de Clemente Colling (1942), El caballo perdido (1943), Nadie encendía las lámparas (1947), La casa inundada (1960), Tierras de la memoria (póstuma, 1965), Las Hortensias (1949) e Obras completas, México, Siglo XXI, 2008.

A exposição poderá ser visitada no Instituto Cervantes de Porto Alegre de 20 de outubro, dia do aniversário de Felisberto, a partir das 18h, até o dia 18 de novembro de 2025.

Nascido em Montevidéu em 20 de outubro de 1902, Hernández faleceu na cidade natal no dia 13 de janeiro de 1964, aos 61 anos. Em 1926, passou a trabalhar como pianista num café de Montevidéu, iniciando sua longa carreira de concertista. Paralelamente, lançou livros de contos. Em 1940 vendeu o piano e passou a dedicar-se mais à literatura. Esse gesto marcou uma época de intensa atividade literária lançando contos como El Caballo perdido, Por los tiempos de Clemente Colling e Nadíe encendia las lampadas. Em 1946 recebeu uma bolsa do governo francês e foi estudar em Paris. De 1949 a 1951, foi casado com a espiã soviética África de las Heras, sem saber as reais atividades da esposa. Em 1948 voltou à Montevidéu, onde morou até falecer em 1964.

Denise Sabino Villanova é doutoranda em Literaturas Estrangeiras Modernas com foco em Literatura Hispânica pela UFRGS. Mestre em Cultura Britânica e em Cultura Francesa, com ênfase em Educação, Política, Literatura e Filosofia pela Leibniz Universität Hannover, Alemanha. Escritora, palestrante e cronista semanal do jornal O Dia, em Teresina-PI, desde 2020, e colaboradora semanal com poesias, comentários e matérias para o jornal e TV RJNews, Portugal, desde 2022. Participou de quatro obras coletivas e publicou sua primeira obra solo, Psicopata Familiar, em 2024. Colaboradora e palestrante no Instituto Cervantes em Porto Alegre, de 2020 a 2023.

Leia a entrevista com a curadora Denise Villanova:

Como a obra de Felisberto Hernández influenciou na tua escrita e criatividade?

A obra de Felisberto Hernández tem influenciado nos poemas que escrevo, de forma onírica, com algum mistério e sem finais em tons “cor-de-rosa”, típicos da escrita de Felisberto, que tem levado muitas pessoas à perguntas como “tu és tão positiva e otimista, como andas escrevendo dessa maneira mais sombria?”, e respondo que é algo que já fazia, porém ficou mais visível depois de ler e pesquisar a obra de Felisberto Hernández. Felisberto escrevia seguindo, digamos, e é comum ver isso no meio literário, a vontade de suas personagens. Não é surrealista, mas herda traços de tal movimento-filosofia. Em Explicación Falsa de mis cuentos, de 1955, Felisberto dá uma “resposta” a quem o pressionava a dizer como escrevia seus contos. Disse que não tinham estrutura lógica: “No son completamente naturales, en el sentido de no intervenir la conciencia. Eso me sería antipático”. (Em tradução livre: “Não são completamente naturais, no sentido de não intervir a consciência. Isso me seria antipático). Quanto à criatividade, sim, passei a desenhar e pintar mais em relação a, particularmente, um conto de Felisberto, de 1949, Las Hortensias, e a fazer instalações sobre o tema, que podem ser vistas na exposição.

Você já tem alguns livros publicados e sei que tem algo no forno já. É possivel adiantar algo sobre o lançamento da próxima obra?

Tenho alguns capítulos em livros acadêmicos, prefácio de um de poesias e depoimento para um de viagens, além de constar em um livro sobre genealogia e agora em novembro, em uma antologia sobre o Rio Grande do Sul. Livro solo, lancei meu primeiro em 2024, com boa aceitação, inclusive em João Pessoa, por se tratar de um tema atual e importante; aliás, o livro é um alerta para muitas pessoas: chama-se “Psicopata Familiar, perigosamente perto de você”. Os próximos lançamentos serão uma antologia de contos, com vários escritores, a publicação de minha tese de doutorado, onde proponho alguns novos conceitos sobre “gestos” e terminologia para gêneros literários, e um livro trilíngue com poemas.

Por que você acha que essa exposição é relevante em Porto Alegre, já que nossa cultura é bem parecida com a uruguaia?

Acredito que, sendo a primeira exposição no Rio Grande do Sul e Brasil sobre Felisberto Hernández (1902-1964), ela tenha relevância para que conheçam esse grande autor uruguaio, que em vida foi mais aclamado que lido, e que ainda hoje carece de merecida divulgação. A exposição contém vários livros, primeiras edições, moedas e postais antigos, quadros especialmente feitos para a data, por Zoravia Bettiol, Gabriel Guimard, Maria Fernanda Vaz e eu mesma. Além disso, também serão expostos quadros dos artistas Paulo Frydman e o pintor uruguaio Edgardo Flores. Também teremos fotos antigas, gentilmente cedidas pelo neto mais velho de Felisberto (como é carinhosamente conhecido), o senhor Walter Diconca Hernández, presidente da Fundación Felisberto Hernández de Montevidéu, Uruguai.

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