Este texto é pra dentro. Este texto é interno, este texto é pra mim. E pra Ela. É do nosso caso que falo. E ele é intimo.

Apesar deste prólogo, eu compartilho com você. Te faço cúmplice. Afinal, o que é o escritor sem o seu leitor?

Vou logo adiantando, Ela, é PARIS, a cidade dos meus sonhos. Desde os 13 anos ela penetrou no meu imaginário e também no meu projeto de vida, se é que já se tem um projeto de vida aos 13 anos. Esse, eu tinha, certo e claro. Decisão irreversível. Eu dissera pra Maía, preciso aprender francês, um dia vou morar em Paris. Adolescente, fui estudar na Aliança Francesa de Pelotas, eu e minha amiga Cecélia, inseparáveis que éramos na época. Eu gostava mais do idioma. No caso dela, quem gostava, era a mãe, a Dulce. Enfim, como éramos parceiras em tudo, nas estrepolias, na matiné do cinema Capitólio, no orfeão do Colégio São José, na cumplicidade dos primeiros namoros, nas excursões – palavra cujo significado todos conhecem, mas neste contexto, além da Cecélia, só a Lucia vai entender -, ingressamos juntas na Aliança Francesa, um velho casarão na esquina das ruas XV de Novembro e General Neto.

Reminiscências feitas, volto à ideia central da crônica, minha declaração de amor a Paris, a cidade mais linda do mundo. È lapidar, incontestável, não há espaço pra ressalva, mínima que seja. Sua arquitetura ímpar, as ruas, boulevards, jardins, passagens, cada canto, recanto, refúgio, você vira e se surpreende. Um universo se revela. É um sem cessar de admiração, respeito e reverência.

Podem até preferir Londres ou Nova York, onde sempre you are wellcome, mas no quesito beleza, não tem pra nenhuma. Nem Roma, nem Florença, nada se compara. Não tem essa, nem aquela, nem cá, nem acolá. Desde que a conheci, no início dos anos 80, sua silhueta esbelta não mudou; ao contrário, sua elegância só cresceu sob meus olhos ante aos quais se foram develando, a cada estada, mais um segredo, mais um mistério, mais um arrondissement, um outro museu, uma nova galeria.

Assim, flanando, deixando-me levar pelo belo, Paris estendeu-se pra muito além de Saint Germain des Près e do Quartier Latin, bairros que eu frequentava naquele longínquo ano de estudos, onde aperfeiçoava minha aprendizagem do francês, mergulhava na abundância do vocabulário e na variedade das expressões usadas pelos Iluministas, conhecimento que se ampliou na convivência diária com a linguagem falada nas ruas, tão diferente, mas não menos rica, do que aquela da sala de aula.

Com o passar do tempo, fui me imiscuindo na rive droite, o Palais Garnier, a Biblioteca Nacional, o Palais Royal, a Galerie Vivienne, história e patrimônio, memória e paixão.

O eixo Assembléia Nacional-Concorde-Madeleine no cruzamento com a sequência Tulherias-Cour la Reine-Champs Elysées, numa linha reta até os confins de La Défense, é referência de perfeição em traçado urbano, mundialmente reconhecido, fortemente aplaudido.

Seu olhar desliza de um lado pro outro, enxerga longe, e é bonito, harmônico, grandioso.

Óbvio que temos momentos de desamor, quando Ela, por vezes, me trata mal, me faz perder o metrô, correr até a parada, e ver o motorista, num repente, arrancar o ônibus, deixando-me inerte no meio da rua.

Há ainda, as filas intermináveis para entrar no Louvre, a antecedente reserva para o restaurante da moda. Se for no antológico Tour d’Argent, então, são meses. Paris é exigente, requer muita organização, planejamento na programação, coisa a que brasileiro não está acostumado; eu, particularmente, sou avessa. Sou da última hora, do impulso do momento. Aí, é atrito, incompreensão. Passamos a nos odiar.

A razão argumenta, o coração arrebenta. Paradoxal, até.

Nada que uma caminhada às margens do Sena, à vista de uma das 37 pontes que unem as margens do rio, não traga reconciliação imediata. Cruzar a Ponte Alexandre III, por exemplo, transforma, instantaneamente, ressentimento em bonança.

O ápice é quando o sol se põe sobre o Sena ou quando os velhos lampiões se acendem ao crepúsculo. De tirar o fôlego! Como costumo dizer, qualquer cidade, mais ela te oferece, mais ela te toma. E Paris te oferece o mundo, é bom gosto, é savoir faire, é senso estético, é criação artística, é cultura por todo o lado.

Sair a caminhar é a prova disso, tudo é cuidado, estudado, elaborado, na mais alta precisão. Um dia a olhar vitrines, basta. Não é verdade, não basta. Tem muito mais, as exposições, as conferências, os concertos, os teatros, os ballets, o melhor do mundo está em cartaz. Cultive-se, é a divisa!

Eu me delicio, me desbordo de emoção, eu quero tudo, eu vou a tudo, e não dou conta, fico com gosto de quero mais. Vou e volto, ando e desando e sempre é imenso. Intenso. Deleite é uma boa palavra. Afora toda essa opulência, tem o simples ato de sentar no bistrô, de preferência no terraço, e ficar a ‘ver o mundo passar’, como diz a Regina, amiga querida que, ano após ano, põe os pés em Paris, a pretexto de nos visitar.

Os pés, e a alma, eu acrescento, porque senão não funciona. Tem de ser inteiro, cabeça, corpo e coração. Comigo é assim. È profundo, sou cativa. Trata-se de amor, já declarei no início. E com amor vou terminar porque, tenho certeza, depois dessa breve leitura, você também já está apaixonado.

Au revoir Paris, até o ano que vem. Um beijo, Maria Alice.

Maria Alice Ripoll Paris, outubro de 2025

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      1. Lucia PY Crespo says:

        Embora Eu saiba , que não sou a Lúcia que te referes ( mas sou a preferida de todas) porque naquela época eu não estava em Pelotas mas mantínhamos contato constante e através destes teus relatos extremamente reais, conheci Paris, e aprendi com teu conhecimento a também amar esta cidade que acarinha minha amiga , que quando está lá morro de saudades . Obrigada Paris , obrigada pela perfeição da tua escrita.

  1. Cristina Pinheiro says:

    Que texto maravilhoso! Estive em Paris há muito tempo. Cidade encantadora. Cheia de charme. Agora, lendo o seu texto, quero voltar amanhã. Parabéns, Alice! Obrigada! Você tocou meu coração com sua linda declaração de amor a Cidade Luz.

      1. Margarita says:

        Maria Alice, que linda declaração de amor! Te compreendo profundamente. Lutei para poder estudar francês, quando o requisito era o inglês… E foi profundo e marcante! Tive a sorte de ser aluna do prof Claude Chauvin cujas aulas eram uma imersão amorosa na cultura e história francesas. Inesquecíveis!
        Tive o privilégio de conhecer Paris e também, em La Rochelle, o veleiro Joshua do grande e inigualável velejador francês Bernard Moitessier! Unindo aí duas paixões… A França mora definitivamente no meu coração! 💙🤍❤️

    1. Fatima Grisi Kuyumjian says:

      Ah como você escreve bem, não só o contexto é cativante assim como o texto tem vida! Muito gostoso! Estar em Paris mesmo estando longe!”

  2. Fernanda Volt says:

    Maria Alice, obrigada por dividir conosco, nesta linda crônica, tua história de amor tão íntima com Paris. Das coisas que tenho a oportunidade de presenciar, posso atestar a veracidade desse amor! Vejo Maria Alice sofrer por antecipação ao ler os cartazes do metrô anunciando um espetáculo ou exposição no inverno, justamente no período em que estará curtindo o nosso sol brasileiro. Ah, já presenciei também algumas desavenças com a cidade luz – nem coração de mulher apaixonada consegue se mostrar tolerante à falta de cortesia de certos garçons ou às manifestações com depredações e ao descaso das autoridades.. Mas enfim, quando se ama de verdade, tudo fica irrelevante. E uma coisa ninguém pode negar: a luz do pôr do sol refletida no Sena apaga qualquer sentimento ruim. Termino dizendo que Maria Alice sabe dividir seu amor. Não é ciumenta. Sente prazer em compartilhar Paris com algumas pessoas sortudas, mostrando os novos recantos que descobre dia a dia, pois sabe que não corre o risco de perder Paris – nem Paris de perdê-la.

  3. Fernanda Volt says:

    Maria Alice, obrigada por dividir conosco, nesta linda crônica, tua história de amor tão íntima com Paris.Das coisas que tenho a oportunidade de presenciar, posso atestar a veracidade desse amor! Vejo Maria Alice sofrer por antecipação ao ler os cartazes do metrô anunciando um espetáculo ou exposição no inverno, justamente no período em que estará curtindo o nosso sol brasileiro. Ah, já presenciei também algumas desavenças com a cidade luz – nem coração de mulher apaixonada consegue se mostrar tolerante à falta de cortesia de certos garçons ou às manifestações com depredações e ao descaso das autoridades.. Mas enfim, quando se ama de verdade, tudo fica irrelevante. E uma coisa ninguém pode negar: a luz do pôr do sol refletida no Sena apaga qualquer sentimento ruim.Termino dizendo que Maria Alice sabe dividir seu amor. Não é ciumenta. Sente prazer em compartilhar Paris com algumas pessoas sortudas, mostrando os novos recantos que descobre dia a dia, pois sabe que não corre o risco de perder Paris – nem Paris de perdê-la.

    1. Maria Alice says:

      Ma chère Fernanda, lindas palavras de carinho.por.mim e por Paris . Agradeço não só as palavras, mas também a tua companhia nos finais de tarde para ver o.por do sol e ‘boire un verre’. Paris c’est Paris!

  4. Liz says:

    Que delícia de leitura, ma cherie!
    Da forma como descreves “nossa” Paris é impossível não se deixar levar, flanar junto, enxergar cada detalhe com que nos presenteia essa cidade encantadora. Senti-la com o coração!
    Paris, sob teu olhar, ganha voz! Viva, pulsante, eterna!
    Obrigada por nos presentear com este texto encantador 🥰😘

  5. Rosana Lorente says:

    Li e senti saudades desta cidade que tive a sorte de viver por um período. Ela realmente é Hors Concours!
    Você não a descreve, tua crônica é uma declaração de amor a esta cidade luz.
    Sensacional!

  6. Ana Regina Wallauer says:

    Me reportei neste momento à 1970 qdo pela primeira vez aterrizei em Paris. Surpresa? Não. Petrificada? Não. Admirada? Não, simplesmente encantada, abduzida se é que posso usar esta expressão. Desde então Paris é minha cidade do coração, cidade dos apaixonados, pois me apaixonei, cidade bela, pois sua arquitetura encanta a alma. Paris me deixa confortável e como te entendi neste texto surpreendente. Somos duas apaixonadas, e se me permite “Sempre teremos Paris” . E mais uma vez parabéns minha amiga querida. 🌹

    1. Maria Alice says:

      Regina, amei teu comentário. Através das palavras, fomos juntas a Paris . Nessa paixão comum, nossa amizade so se fortalece. Bjsss! 💙🤍❤️

  7. Maria da Graça Olivaes Pereira says:

    Amei a tua declaração de amor a Paris! Palavras tão envolventes que também levam o leitor a criar uma forte conexão com a Cidade Luz!

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