Eu tinha quase 9 anos… Conclui isso quando a tia Lúcia me contou esses dias que a Isadora, minha irmã caçula, teria sido encomendada neste final de semana. Embarcávamos em uma excursão de ônibus para Florianópolis com casais de amigos dos meus pais e seus filhos.
Só viajar de ônibus com adolescentes e crianças já era uma emoção naquele início de verão do ano que deveria ser 1981. Nas minhas memórias embaralham-se o ônibus, um hotel antigo no centro da cidade e um churrasco na laje que não sei se era perto de uma cachoeira ou de uma mangueira, mas tinha água e servia para a gente se refrescar…
A Isabela e a Fabiana Maciel de Sá eu já conhecia dos finais de semana na casa da Nilo Peçanha. Eram as filhas do tio Renatinho, que tinha sido namorado da minha tia Aninha Comas e era recém-pai do caçula homônimo e filho da tia Maria Cristina, elegante, de saias longas e rodadas. Diante dos meus olhos infantis, o frontman do Renato e seu sexteto vivia rindo e era o amigo comum do meu pai e daquela turma divertida, que decidiu fazer uma fuzarca entre amigos na Ilha da Magia. Médicos, advogados como o pai e o tio Renato e o Luis Fernando Verissimo, já um escritor muito conhecido e o saxofonista do maior sexteto do mundo, já que era composto de nove integrantes. Como uma profecia do que a vida lhe reservaria; O Popular (1973), seu livro de estreia tinha exatamente a minha idade. Ele também já havia publicado A Grande Mulher Nua (1975), Amor Brasileiro (1977), O Rei do Rock (1978) Ed Mort e Outras Histórias (1979) e O Analista de Bagé (1981). O Brasil todo já conhecia e se deleitava com sua escrita e ironia únicas que fazem rir e pensar.
Mas nessa época eu nem desconfiava de nada disso, só queria encontrar a minha prima Lila, que morava em Floripa. O Cris, meu irmão, ainda nem tinha ganhado de presente sua primeira bateria do tio Renatinho (o que acabou para sempre com a paz dos meus ouvidos atentos), mas andava em volta do Pedro (será que já falavam de música?). Já eu, saracoteava dentro do ônibus e só tinha olhos para as gurias. Elas deviam ter entre 14 e 18 anos, idade próxima ao pai na época em que produziu, com a irmã Clarissa e um primo, um jornal com notícias familiares, que era pendurado no banheiro de casa e se chamava O Patentino.
Além das Maciel de Sá, estavam a Fernanda e a Mariana Verissimo, que eu acabara de conhecer. Fui tentando me enturmar com o quarteto. A Isabela estava mais reservada. A Fabi não parava quieta. Ginasta, tinha os mesmos olhos puxados do pai e, de trancinhas, fazia o tempo inteiro espacatos e estrelinhas, o que me desnorteava tentando imitá-la. A quilometragem avançava e aumentava a minha coragem de pedir para que escrevessem – na verdade – estreassem o meu caderno de recordações. Os cadernos de recordações eram uma rede social vintage em que escrevíamos bilhetes carinhosos, poemas bobos, declarações de amor e textos opinativos umas sobre as outras. Como eu era um pouco menor, elas não me davam lá muuuuita bola, mas também não me excluíam, o que já me animava bastante. Finalmente tomei coragem e elas assinaram meu caderno. Nunca mais esqueci do que escreveram. Talvez ali estivesse começando um encanto sutil pelas palavras… Eram as primeiras trocas da vida.
Nos anos seguintes, cresci vendo meus pais prestigiarem todos os lançamentos do LFV, rindo de jornal na mão e exaltando a genialidade daquele amigo calado e brilhante, que por trás dos óculos, tinha olhos de lince que dissecavam a vida, suas tragédias públicas e comédias privadas. Foram 90 obras, incontáveis adaptações e roteiros para o cinema, séries, teatro e televisão. Eu devorei quase tudo o que apareceu lá em casa com o sobrenome Verissimo e sentia uma vaidade íntima por saber que éramos próximos da Família Brasil, cada vez mais admirada e adorada por uma multidão de leitores.
Anos depois, fui colega de redação do LFV. Era raro ele aparecer na esquina da Ipiranga. Mas quando entrava na Zero Hora ficávamos atônitas no canto do Segundo Caderno, intimidadas com a presença calma e altiva do melhor e mais lido cronista do país e um dos maiores escritores contemporâneos (para mim do mundo). O apelido de “deus” fazia jus ao seu estilo fino, inteligente e sarcástico que invadia todos os dias os lares brasileiros com fartas e precisas doses de humor cotidiano e consciência política. Como eu sabia que ele me reconheceria, não perdia a oportunidade de me exibir e dar um “oi” e um beijo ligeiro em “deus”. A vida foi correndo, me senti muitas vezes a Velhinha de Taubaté de tênis, quase desmaiei quando ele apareceu com a tia Lucia no lançamento da Bá #19. Tracei Madri, Nova York, Roma colada e dando risadas com ele e meu próximo sonho é traçar o Japão… Minha admiração, cumplicidade e carinho pelos Verissimo só sabia aumentar com a convivência que também crescia com o passar do tempo. Troquei o caderno de recordações pelo bloco. A minha xará, que foi quem me fez sentir orgulho do nosso nome pela primeira vez, continua engraçada e maravilhosa porque “só as Marianas têm o charme e beleza que nós temos” e a Fernanda, é nossa lúcida, amorosa e genial liderança que depois da modéstia da irmã acima, só restou dizer que foi ótimo me conhecer. Temos um grupo infalível que se reúne pelo menos uma vez por ano, viu Dona Ilana Kaplan? O pai adorava tomar whisky com a Dona Mafalda e assistir aos jogos do Inter com seu amigo mais célebre e fanático torcedor. E o Pedro? Ah o Pedro é um colosso, talento de derreter quem tem a sorte de vê-lo no palco. A mãe e toda a torcida do Inter e do Flamengo (que é o time dela, aliás) sempre foi e continua encantada com a tagarelice, a graça e a capacidade de aglutinar gente bacana que a tia Lucia tem. Vocês acreditam que recentemente ela apresentou dois vizinhos que passeavam com seus cachorros pela redondeza e que acabaram casando ali no pátio da Felipe de Oliveira? Na última semana sonhei com “deus”. Caminhávamos calmamente num grupo que parecia o mesmo daquele verão de 81, mais maduros… Um pouco cansados pelo tempo, avós, pais, filhos, netos e um tanto de histórias. Nossa preguiça da humanidade estava adormecida e a vida parecia ser boa e inundada de uma insistente esperança. Lembrei da Fabiana, que além de ter me levado no Viva a Gorda, escreveu no meu caderno de recordações: O pessimista senta e lastima, o otimista levanta e age.
No último dia 26, “deus” completaria 89 anos. Certamente o céu está repleto de gargalhada silenciosa, jazz, lamentações pelo GreNal perdido e brindes de um bom tinto. Cada vez que alguma pessoa que povoa nossa memória doce da infância e da adolescência se vai, parece que é arrancado também um pedaço de nós. Talvez por isso, com o passar do tempo, a vida vai perdendo um pouco da graça e as pessoas vão perdendo sem perceber um pouco de si. Quando essa pessoa é alguém como LFV, dono de um dom divino que transformou e divertiu um país inteiro, o vazio só não é abissal porque assim como Deus de verdade, LFV é eterno pelo talento de tudo o que criou e dividiu conosco. Ele tem sempre razão: “A época de ouro de qualquer coisa é sempre a que veio antes da nossa.” Obrigada pai! Obrigada LFV! Não há nada mais precioso, bonito e necessário do que a força das palavras e o poder da amizade.
Por Mariana Bertolucci
Mariana! Parabéns !!! Que beleza de texto, como vc também o considero um “deus” , LFV foi e sempre será um símbolo para todos nós que admiramos sua escrita e seus personagens!!!
Mariana , amei!!
Texto lindo, belas recordações de uma vida bem vivida ao lado de pessoas maravilhosas!
Uma linda homenagem ao nosso admirável Luís Fernando Veríssimo, deus!
Minha amiga quanta alegria em momentos como este. A vida presenteia o convívio e troca com ele: privilégio
❤️🥹 Para sempre nosso LFV!
Excelente, tocante, emocionante e verdadeiro. Parabéns Emily!
Ameiii a sua retrospectiva – Dos tempos de guria até hoje !
Crescimento num meio intelectual e divertido com multi aspectos dos mais variados circulando juntos!
Que delícia são essas lembranças tão bem costuradas dentro de nós!
Que lindo e reflexivo texto, Mari. Previlegio seu de ter vivido momengos inesquecíveis ao lado de sua familia e os Veríssimos.A genialodade de LFV jamais será esquecida. Suas obras seguirão eternizadas.
Que texto lindo e emocionante. Parabéns ❤️
Excelente texto, Mariana. Veríssimo era realmente um talento! Abração.
Adorei
Bjo
🌹
MARI!! QUE LINDOOOO ESSE TEXTO!
Mari, adorei esse texto! Q lindo!!
Mariana , amei!!
Texto lindo, belas recordações de uma vida bem vivida ao lado de pessoas maravilhosas!
Uma linda homenagem ao nosso admirável Luís Fernando Veríssimo, deus!
Mariana, és pura e simplesmente engajada na premissa: Diga-me com quem andas e eu te direi quem és, ou seja, brilhante.
Que lindo e reflexivo texto, Mari. Previlegio seu de ter vivido momengos inesquecíveis ao lado de sua familia e os Veríssimos.A genialodade de LFV jamais será esquecida. Suas obras seguirão eternizadas.
Eu adoro o jeito que tu escreves! Parece que vem com o som da tua voz. Confortante e animada, com doçura de uma vida cheia de histórias. ❤️
Maravilhosa a homenagem Mariana. Sou teu fã!
Mari Maravilhosa com seu texto rebuscado na linguagem popular !! Amo
Oi Mariana querida
li agora teu texto
maravilha amei amei amei
bjo ⭐⭐⭐
Maravilinda Mari,
Que texto lindo! Pude sentir as palavras, não só ler, mas ouvir os barulhos, as gargalhadas descritas. Pude sentir a emoção que cada uma das letras carrega. Obrigada por está lindeza!
Maravilhoso texto embora como lembrança da morte de ste grande autor, cheio de viçosas palavra.
É o contraste tão necessáriona literatura de quem sabe escrever.
Parabéns, querida !