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Por que o Caracol Escolinha se chama Caracol?

Muitas vezes me perguntam por que a minha escola se chama Caracol. Costumo responder: é porque ela está localizada em um bairro de Porto Alegre que tem umas curvas que lembram um Caracol, também explico que o caracol é um bichinho que carrega sua casinha nas costas — e que, de certa forma, a escola também é isso: um abrigo, um lugar onde se pode estar aconchegado, acolhido, protegido.

Mas, recentemente, lendo novamente um precioso livro que ganhei em 2015, de uma querida amiga cearense chamada Galeára, ressignifiquei o nome da escola. O livro é do autor Luis Sepúlveda e se chama “História de um caracol que descobriu a importância da lentidão”. A partir da releitura desse livro, compreendi que havia algo mais profundo por trás desse nome. Como se, só agora, depois de tantos anos de caminhada, o próprio nome da escola viesse me contar algo novo e muito significativo.

O caracol do livro — que ousa perguntar, buscar, sair do lugar comum — é batizado de Rebelde. E, ao desafiar o silêncio da sua espécie, buscar um nome próprio e entender por que são lentos, ele nos mostra que há sabedoria em respeitar o tempo das coisas. Que a lentidão não é falha, mas potência. Que parar, observar, lembrar, nomear – exige tempo, sensibilidade e coragem. Artigos de luxo e raros em tempos tão acelerados.

O texto é poético, as ilustrações são incríveis. A começar pela capa, onde Rebelde, o personagem principal, em uma de suas laterais, aparece um relógio sem ponteiros e, em suas costas, em cima do seu casco de caracol, tem um colchonete e uma mochila, como se ele partisse para um mochilão.

 E parte, vai para a vida, quer ter um nome: “Assim como a água do céu se chama chuva, quero ser chamado por um nome só meu”. ” Em sua caminhada, num momento de pausa e descanso, se aconchega em cima de uma pedra, em dado momento, essa pedra se move, mostrando que nem tudo o que parece, é de verdade.

Trata-se de uma velha e sábia tartaruga, que o ajuda a ter um nome, da melhor forma que se pode nomear: narrando, contando histórias, fazendo a vida fazer sentido. “Sabe, Caracol, os humanos são muito estranhos. Morei alguns anos numa casa de humanos. Quando pequena, tinha até uma caminha de palha, ganhava morangos suculentos e verduras muito frescas. Com o passar do tempo, fui crescendo, envelhecendo e eles me deixaram num campo, me abandonaram”.

Na nossa escola, as crianças também caminham no seu tempo. Algumas falam mais cedo, outras caminham mais tarde, algumas aprendem a ler antes das outras. Umas desenham com força, outras com leveza. Mas todas, todas mesmo, trazem dentro de si um ritmo próprio, que merece e precisa ser respeitado. E é para isso que estamos aqui: para acolher esse ritmo, esse tempo da infância, que não se mede em horas, muito menos em conquistas uniformizadas, mas em descobertas únicas, exclusivas e individualizadas.

O livro de Sepúlveda me fez lembrar que nomear as coisas é dar-lhes existência. Quando Rebelde ganha um nome, ele se torna sujeito da própria história. Assim também é com as crianças: quando escutamos suas vozes, seus silêncios, quando validamos suas emoções e seus tempos, ajudamos a construir narrativas de pertencimento, confiança e memória.

História de um caracol que descobriu a importância da lentidão é um livro que deveria vir com um aviso: “leitura essencial para tempos acelerados.” Embora tenha sido escrito para o público infantojuvenil, é aos adultos que ele mais fala. Com delicadeza e coragem, Luis Sepúlveda nos convida a fazer o que há de mais difícil hoje em dia: parar. Parar para escutar, observar, sentir. Parar para lembrar.

Ler essa história me fez gostar ainda mais do nome da minha Escola: Porque, mais do que um nome bonito ou uma coincidência geográfica, há no caracol esse olhar- de que precisamos respeitar o tempo das coisas, de que o caminho que se faz devagar, do cuidado que precisamos ter com o corpo que abriga a própria casa.

Valesca Karsten é educadora, fundadora e diretora da Escola de Educação Infantil Caracol, em Porto Alegre, curadora de arte para a infância e realizadora do podcast PodeMãe.

@valesca.karsten

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  1. Galeara says:

    Delicada explicação. A creche escola Caracol é assim. Conhece a lentidão pois respeita o ritmo ,o tempo de cada criança. Ser lento é buscar profundo. Os caracóis sabem disso. Valença Kastem, também. Parabéns pelo artigo. Grata pela citação do meu nome.

  2. Galeara says:

    Um Caracol busca lento e profundo. Essa escola respeita o tempo e o ritmo de cada criança. Valesca sabe disso. Ser lento é buscar profundo
    É andar por dentro.
    Parabéns Valesca. Obrigada por citar meu nome nessa tua delicadeza literária.

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