Os cafés são uma referência em Paris. Todo o parisiense que se preza tem o seu café habitual onde passa uma ou mais vezes por dia. Ocupa sua mesa preferida e nela permanece por horas, lendo um bom livro, um jornal ou apenas observando o vai e vem dos transeuntes, o que em Paris, é programação de rigor. O charme e a particularidade dos parisienses é um espetáculo que encanta o turista.
A partir de setembro de 2024, “As Práticas Sociais e Culturais nos Bistrôs e Cafés” foram inscritas no patrimônio cultural imaterial francês. O Ministério da Cultura, enfim, fez justiça ao monumento cultural preferido do parisiense. No rol do ‘Patrimônio cultural imaterial francês,’ ao lado da não menos famosa ‘baguette’, passou a figurar o local predileto para passar o tempo, conversar, ler ou simplesmente estar: o café.
A atribuição é recente, já que o culto ao café se insere no dia a dia do parisiense desde muito. Na França, é bom registrar, o café não é simplesmente um recinto para comer e beber. É para falar, discursar, debater, criticar e, a partir de agora, integra o patrimônio cultural imaterial. Para obter o reconhecimento da UNESCO, o candidato deve ser representativo, tradicional e contemporâneo. A tanto, uniram-se intelectuais, artistas e simples habitués com o fito de preservar o legado deste lugar mítico admirado no mundo inteiro.
Em um café parisiense, diariamente, assiste-se a uma ‘peça de teatro’, espontânea e improvisada, onde clientes de todas as nacionalidades encarnam o papel de atores, principais ou coadjuvantes. Mas, além dessa aura teatral, o café é um lugar democrático, onde a palavra do povo comenta a vida política, econômica, e artística da cidade. Toda essa alegoria multicultural, merecida, óbvio, nasce de um aroma, de um perfume, o cheirinho do café que se espalha no ar, que invade as narinas, que aguça o paladar.
Dos clássicos e incontornáveis, alguns:
Les Deux Magots
Fundado em 1812 na Rue de Buci, transferiu-se para a Praça St- Germain-des-Près em 1873. As duas estátuas chinesas que ornamentam a sala principal provêm de uma loja de mercadores chineses que outrora ocupou o local.
O café começa a desenvolver um papel importante na vida cultural parisiense com a afluência de escritores e filósofos até afirmar sua vocação literária com a criação do prêmio “Deux Magots”, em 1933.
Verlaine, Rimbaud, Mallarmé são clientes assíduos. Com o passar do tempo, torna-se o templo de artistas famosos, tais como Gide, Picasso, Fernand Léger e Hemingway, além de surrealistas sob a égide de André Breton e existencialistas em torno de Sartre e Simone de Beauvoir.
A popularidade só se expande e o café atrai, ainda hoje, personalidades do mundo das artes, da literatura e da política, sem contar a fila de turistas que avança pela Praça St. Germain. O terraço está sempre lotado e a disputa por uma mesa é constante.
Ao comemorar 140 anos, o Deux Magots só fortalece sua própria lenda e passa a exportar seu espírito literário que hoje se estende para o Oriente Médio, Japão e Brasil.
Café de Flore
Respeitável instituição francesa, o Café de Flore cupa lugar prioritário em Saint Germain des Près. Fundado em 1887, o nome Flore foi inspirado na estátua da divindade greco-romana “Flora”- deusa das flores e da primavera, que ornava um prédio no lado oposto do boulevard. Na sua história, incontáveis intelectuais de renome passaram por suas portas, dia a dia, ano após ano.
O Flore foi palco de inesquecíveis encontros literários, debates filosóficos e devaneios artísticos. Frequentado por personagens ilustres da pré e pós guerra, no período da ocupação alemã, preserva sua aura, com a presença de nomes das artes, da literatura e do cinema, que se mesclam a turistas do mundo inteiro. Em 1994 foi instituído o “Prix Flore”, prêmio literário, entregue anualmente por seleto júri composto por intelectuais contemporâneos franceses.
Café Marly
Ponto alto: a localização! Intimamente ligado à cultura e ao luxo, o Café Marly situa-se sob as arcadas do Museu do Louvre, entre a Cour Napoleon e os Jardins das Tulherias. Essa localização privilegiada permite ao cliente, admirar, ao mesmo tempo, o Arco do Triunfo do Carrousel, a magnífica esplanada do museu adornada por mil estátuas e a grande pirâmide de vidro, obra do famoso arquiteto japonês Ming Pei (1917-2019).
Entre boiseries e décor de requinte, o visitante mergulha na história da França já que, além da vista do terraço, algumas mesas no espaço interno, deixam entrever a majestosa galeria das esculturas. Uma passagem no café no Marly já soma pontos no seu currículo cultural.
Café Costes
Uma sequência de salões tapissados em veludo vermelho, onde pode-se ver sem ser visto, uma galeria central banhada de luz e um patio à l’italienne, tornaram o Café Costes the place to be no chic quartier Vendôme. Frequentado por manequins, business men e nomes conhecidos do mundo fashion, o Costes exala glamour e beleza, sob o fundo de seleta playlist a cargo de um talentoso DJ, capaz de criar uma atmosfera única, descontraída e cool.
Forçoso admitir que os Irmãos Costes – Jean Louis et Gilbert, sabem transformar qualquer espaço em local elegante, arejado e luxuoso. A partir da criação do Café Costes, em 1984, decoração Phillipe Starck, a fama correu o mundo e o nome Costes será sempre associado à tendência e a sucesso.
Por entre tantos outros, inúmeros, milhares, reserve um espaço para o seu café, aquele da esquina, do canto da rua, da curva do boulevard, certamente o melhor, onde você conhece o garçom, o gerente, sente-se em casa; encontra os amigos, fala da sua vida, da dos outros, do caos no mundo e da condição humana. Bem acomodado, sorve o seu café, arábica ou robusta, expresso ou filtrado, ristretto ou allongé, de um gole ou de espaço…. Prova de que o café é universal e atemporal, sofisticado e popular, de boteco e de salão. Ao seu gosto!
Maria Alice Ripoll, Paris, julho de 2025